Amanda NegraSim & DJ Llobato – A resistência cultural na quebrada através da ancestralidade

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As lógicas e práticas da indústria e do mercado cultural brasileiro, principalmente na música, são excludentes, imperialistas e nada inclusivas. Empresários criam impérios (máfias, panelas), fabricam alguns artistas, compram outros e criam barreiras para artistas autênticos que não concordam e/ou não se encaixam nos padrões exigidos. Dentro desse padrão estético e até mesmo ideológico – uma ideologia vazia, genérica, que busca o “muro” como posicionamento – o discurso de protesto de quem vive a vida real não serve.

Os exemplos estão aí aos montes e atinge todos os estilos musicais, mas nas músicas historicamente combativas e mais politizadas isso fica mais evidente. Aqui vamos falar do que conhecemos melhor que é o Rap, alguns nomes que hoje são conhecidos do grande público podem até parecer combativos e ideologicamente se distanciar dessas práticas de mercado, só que não. A grande maioria dos grandes nomes se tornaram peças dessa engrenagem, se renderam a uma “elite cultural” que se apropria da arte que a periferia produz para depois diluir o discurso, mudar a estética, a textura da música, alguns mudam até nomes e apelidos para ficarem prontos para o mercado. Com isso se tornam um produto mais fácil de vender, a classe média abraça, a mídia convencional também e ai eles se tornam cartas marcadas nos circuitos de festivais, podcasts e playlists – é só reparar a repetição dos mesmos nomes.

Amanda e DJ Llobato – Foto reprodução das redes sociais

Aqui, na base, na quebrada, nenhum desses representantes dessa “elite cultural” quer vir pra descobrir e lapidar os diamantes, conhecer de perto os milhares de talentos espalhados pelo país. Trabalhos como o da Amanda NegraSim e seu companheiro DJ Llobato são ignorados ou até mesmo desconhecidos por essa “elite cultural”, sejam eles empresários ou artistas. A mana e o mano seguem na base, vivendo a vida real e produzindo trabalhos de alto nível, projetos socioculturais, vídeos, músicas, shows, lives – da quebrada, pra quebrada, pela quebrada e com a quebrada.

FAVELINHA CITY

Graffiti do Favelinha Futebol Clube
Panther O Resistente, ao lado do Graffiti que fez do Favelinha Futebol Clube – www.instagram.com/panther.afavel

Justamente por não se encaixarem – e nem querem se encaixar – nos padrões vazios que a indústria exige, muito do que fazem é através de editais públicos e tudo isso retorna pras quebradas, principalmente pra Favelinha City, que completa 30 anos de (R)existência em 2022. A Favela fica na zona sul de São Paulo, região da Cidade Ademar, Vila Joaniza, DJ Llobato está entre os primeiros moradores da Favela. Hoje eles tem sua sede lá, que também abriga um projeto antigo e até uma vontade, um sonho da mãe do Llobato, Dona Georgina, a biblioteca comunitária Luísa Mahin e o Núcleo de Formação Cultural Favelinha City Joaniza, recentemente em 2021, premiado no edital 33 Proac Ações em Periferias e Favelas, que é gestado pelos próprios moradores em especial por seus irmãos Sandro Lobato e Sandra Lobato, e ainda Bruna Cândido e Cinthia Luna.

CONTINENTE AFRICANO – ANGOLA – BENGUELA

Em 2017 Llobato e Amanda foram para Benguela (Angola) participar de um projeto de intercâmbio, lá eles realizaram oficinas de MC e algo que Llobato fez questão de ressaltar, é que estiveram lá com visto humanitário. Eles passaram cerca de 20 dias na cidade de Benguela, visitaram outros territórios e algumas imagens dessa visita serviram pra ilustrar o vídeo da música “Conquista (Periferia um Pedaço da África parte 2)”, uma faixa de 2011, que eles cantaram nas oficinas por lá e os angolanos curtiram. As imagens captadas e utilizadas no vídeo são inéditas no Rap brasileiro, tem cenas que foram filmadas exatamente no local de onde partiam os navios dos sequestradores e invasores europeus que traziam o povo Angolano para serem vendidos e escravizados no Brasil.

Assista ao vídeo com as imagens de Benguela

TRANÇADO PERIFÉRICO

Essa viagem foi um divisor de águas em suas vidas, tanto no pessoal quanto no profissional, e fortaleceu ainda mais o objetivo maior dos seus projetos que é valorizar a força e herança ancestral com foco nas mulheres pretas. Entre tantos projetos, o Trançado Periférico talvez seja o mais importante e de maior impacto social na realidade de tantas mulheres. Através de oficinas, conversas, trocas de experiências, shows e saraus, tendo como fio condutor a ancestralidade das tranças, Amanda conseguiu transmitir o conhecimento que aprendeu com sua mãe. Com essas trocas ela conseguiu levantar a autoestima dessas mulheres, além de ensinar uma profissão e mostrar que elas podem ser o que elas quiserem, a hora que quiserem e como quiserem.

Mulheres do Trançado Periférico reunidas na CCMHHSUL

Amanda sempre faz questão de lembrar que todos os seus projetos são coletivos, ou seja, não é apenas a Amanda NegraSim que realiza, todas as outras mulheres e homens envolvidos são fundamentais pra que tudo aconteça da melhor forma. A ideia do Trançado Periférico começou a ser pensada em 2015 e depois dessas vivências em Benguela resolveram escrever o projeto e conseguiram a aprovação na 4ª Edição do Fomento à Periferia, edital da Secretaria Municipal de Cultura da Cidade de São Paulo.

Foram 20 ações em Casas de Cultura com moradoras dos bairros de Cidade Ademar, Capão Redondo e Campo Limpo, todos no extremo sul da cidade de São Paulo. Ao final desse circuito foi publicado um livro, que está sendo distribuído gratuitamente nas ações que ainda vem sendo realizadas pelo Trançado Periférico.

[+] CONFIRA AS MATÉRIAS SOBRE O TRANÇADO PERIFÉRICO

AFROQUEEN SOUNDS

Em meio a toda essa grandiosidade do Trançado, e outros projetos socioculturais, o casal ainda tem os seus trabalhos musicais e estão com uma agenda bem movimentada e lançando seus vídeos e músicas.

O disco ‘AfroQueen Sounds’ é um desses trabalhos, lançado em vinil e disponível nas plataformas, também é outro fruto da viagem a Angola, dessa visita ao “continente africano” como Amanda gosta de dizer, aliás um sonho que ela realizou pela sua mãe.

Um pouco antes dessa viagem a Angola, eles foram ao Maranhão, no povoado do Cruzeiro, entre as cidades de Palmeirândia e São Bento, de onde é a família materna do DJ Llobato, e onde hoje reside sua mãe, e foi mais uma vivência que contribuiu para a sonoridade e identidade musical do disco. As composições do vinil foram feitas pelos dois unindo todas essas referências ancestrais, familiares e regionais. As faixas foram gravadas em casa, quase nada foi escrito, tudo foi feito no estilo freestyle.

Veja Amanda ao vivo com a cubana La Dame Blanche

Nesse período eles estavam ficando muito em casa, já que Amanda tinha acabado de dar a luz ao seu filho Adili, que nasceu em meio a esse processo de construção do disco. As gravações caseiras foram para as mãos de Leandro Kintê, que ficou responsável pela pré-produção. A finalização foi de  Amanda Magalhães e William Magalhães, da Banda Black Rio, mas a essência do que eles fizeram em casa permaneceu. As composições desse disco foram tantas, que muita coisa ficou de fora e pelo que eles contaram, parece que podemos esperar mais dois volumes.

Ouça o álbum ‘Afroqueen Sounds’

BIBLIOTECA LUISA MAHIN

A Biblioteca Luisa Mahin, também conhecida como “Biblioteca da Favelinha”, é uma iniciativa antiga que já funcionava no Capão Redondo (2014 a 2017) e conta com livros que misturam doações e acervo pessoal. Llobato pontua que duas situações que tem acontecido são muito positivas – “algumas pessoas estão pegando livros e devolvendo e outras estão ficando com os livros, mas emprestando pra outras pessoas. E é justamente o que a gente quer, que os livros circulem e assim o acervo está sempre se renovando.”  Um outro projeto que está em andamento, é a pintura de Graffitis nos becos da Favelinha, eles ainda não estão divulgando, mas será possível ver um pouco disso nos vídeos da Amanda que serão lançados. Antes que eu esqueça, Amanda está preparando o lançamento de um livro infantil, o nome ainda não está definido e nem a data de lançamento, mas Llobato deu a prévia de um título provisório que é ‘Beca – A Menina Pretinha da Corda Mágica’. A história é inspirada na vida de algumas crianças da Favela, uma delas a sobrinha do próprio DJ Llobato.

Amanda, DJ Llobato e DJ Simmone Lasdenas

Agradeço demais a troca de ideias, o reconhecimento e consideração pela história do Bocada Forte. Amanda lembrou em nossa conversa a importância do BF em um determinado momento da sua vida, o Bate-papo (chat do BF) e os encontros que aconteciam, Llobato também falou sobre essa importância. Seguimos, com dificuldades sim, mas de cabeça erguida e consciência tranquila, ir contra as práticas e lógicas da indústria e do mercado tem seu preço, mas nós temos valor e na luta a gente se encontra.

Confira abaixo os dois últimos vídeos lançados pelo casal

CuriosidadesA biblioteca já teve o nome de ‘Luisa Mahin e as Mulheres da Favela’. Zungueira é o nome da produtora do casal, também inspirado nas mulheres angolanas. Atualmente eles estão se inserindo numa nova Produtora a Ndoto Cultural, que visa dialogar e difundir trabalhos e artistas de Cidade de Benguela (Angola) e das periferias da Cidade de São Paulo. Ndoto, faz referência ao Vale dos Sonhos e suas montanhas no Kenya, lugar lindo que ambos sonham em conhecer já há algum tempo.

Discografia Amanda NegraSim
Single “Amor ao Rap” (2011)
Mixtape física ‘Conquista’ (2013)
EP ‘Poder da Chama, que Xana’ (2017)
EP ‘…Vida’ (2019)
Afroqueen Sounds’ (2021)

Discografia DJ Llobato e contribuições
2004  – Projeto ‘DeRepente o Rap ao Vivo’, Coletânea gravada no CCN Mãe Sylvia de Oxalá
2013 – Vinil Afável – ‘Trago em mim a resistência dos nativos e das raízes africanas’
2022 – Single Audiovisual “Até o Fim”
Coletâneas e Mixtapes entre 2007 a 2016 físicas e virtuais em projetos e coletivos que participou e contribuiu
Vídeo tapes – ‘Black Ghost tracks tape vol 1’ | ‘Favela Tape EP 1’

Confira a PLAYLISTBF, envie seu material pra gente

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