Samba, rock e discos voadores

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JorgeBenATabuadeEsmeralda

Por Jeff Corredor

Quando nos voltamos a um álbum qualquer, de qualquer estilo musical, sempre existe a possibilidade de reduzi-lo a uma palavra, uma ideia, um conceito. Às vezes dá certo. As etiquetas simplificam bastante as coisas pra gente. Passarelas, atalhos, pontes, quem não gosta deles? De certa forma, essa análise pode ser até um exercício de concisão, um resumo, o que tem o seu valor.

Há, contudo, o outro lado dessa perspectiva que tenta dar um sentido único a tudo dentro de um álbum. É aquela zona cinzenta, incerta e vacilante, em que uma música, uma melodia ou uma letra fogem da interpretação que põe tudo no mesmo saco. É quando algo não se encaixa, ou pelo menos, não cabe no balaio raso que até então estávamos tecendo.

Quando notamos essas regiões musicais desconcertantes, geralmente viramos o rosto, tomados de desgosto, e nos perguntamos Por quê? Para quê? Como? A diferença muitas vezes é afastada e, normalmente, o irregular é deixado de lado. Aquilo que destoa, assim, some.

Exemplos aparecem ao ouvirmos os medalhões da MPB. Como Jorge Ben Jor, por exemplo. Intimidados, aproximamo-nos submissos dos álbuns 10 Anos Depois (fizeram pot-pourris melhores na MPB?) ou África Brasil (Que samba-rock-soul de primeira é esse?). Tudo está tão no seu lugar!

Não foi esse cara que influenciou os Racionais, Os Paralamas do Sucesso, O Mundo Livre S/A? Foi, sim. Diante desses múltiplos atestados (o de longevidade, o de prestígio, o de ancestralidade…) somos levados a carimbar mais de 25 álbuns de estúdio antes mesmo de uma escuta mais apurada. Por respeito, ou preguiça, talvez. Afinal é do rei da MPB-samba-rock-soul que estamos falando, não?

A aprovação antecipada não é diferente com “A Tábua de Esmeralda, álbum de Ben Jor de 1974. É pior. Considerado um dos melhores trabalho do músico, o veredito é unânime. É uma obra de arte. Harmônico e complexo; experimental, sem negar suas raízes musicais, com letras que tratam do metafísico e do cotidiano.

Alquimia musical é o que muitos dizem sobre o LP de 74; disco cabeça, dizem outros. O que não é dizer muito quando se fala sobre Jorge Ben Jor.

Desde o início da sua carreira, o compositor carioca já misturava ritmos brasileiros (samba, bossa nova) com o jazz e o rock. Seu primeiro álbum, Samba Esquema Novo (1963), já nos mostra que o forte de Ben Jor é a criatividade com que inova a partir do familiar e do distante, do simples e do elaborado.

“A Tábua de Esmeralda”, título do álbum de 1974, refere-se a um documento atribuído ao personagem Hermes Trismegisto, considerado patrono da alquimia. O texto, de mais de 1500 anos, abraça todas as contradições. Como a própria música tema do LP diz: “O que está embaixo é como o que está em cima e o que está em cima é como o que está embaixo, para realizar os milagres de uma única coisa. E assim como todas as coisas vieram do Um, assim todas as coisas são únicas.

Se aplicássemos esse princípio místico a qualquer avaliação musical, ficaria muito fácil ligar as coisas mais diferentes sempre: tudo poderia, segundo as palavras de Hermes Trismegisto, estar relacionado! Assim: simples, elegante e superficialmente.

Ouvindo as 12 faixas d’A Tábua, no entanto, notamos que o álbum apresenta-nos mais do que conexões. A psicodelia, presente em “Errare Humanum Est” e “O Homem da Gravata Florida”, por exemplo, convive com os tradicionalíssimos samba-rocks “Menina Mulher da Pele Preta” e “O Namorado da Viúva”.

Ironicamente, através de canções de melodia rica sobre alquimia (“Os Alquimistas estão Chegando”), relacionamentos (“Cinco Minutos”), escravidão (“Zumbi”) e Jesus (“Brother”), o álbum A Tábua de Esmeralda lembra uma celebração à multiplicidade e à variedade, naquele tom otimista tão familiar a Jorge Ben Jor e a um certo Brasil da década de 70.

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