Memória BF | Depois de 3 anos, 5 meses e dois dias, o Arrested Development conseguiu lançar seu álbum de estreia

Publicado pela 1ª vez em 24.03.2020 com o título 'Memória BF | Primeiro álbum do Arrested Development completa 28 anos'. Última atualização em 24.03.2023.

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Formado em 1988, o grupo Arrested Development demorou 3 anos, 5 meses e dois dias para conseguir um contrato com uma gravadora. Usando isso eles resolveram intitular o seu primeiro álbum assim, ‘3 Years, 5 Months and 2 Days in the Life of…’.

O álbum é um clássico dos mais inesperados da história, até por eles mesmos, que não esperavam os 6 milhões de cópias vendidas, 4 discos de platina, 2 Grammys, premiados por TVs e revistas e os primeiros lugares em diversos rankings ao redor do mundo.

O grupo era uma família gigante, com vários integrantes, mas começou com Speech e Baba Oje, esse último o mais velho deles, quando se conheceram ele já tinha mais de 50 anos. Baba Oje teve problemas de saúde e faleceu em 2018 de leucemia.

Veja a apresentação deles em 1993 na MTV

Os outros integrantes eram DJ Headliner, Kamaal Malak, Montsho Eshe, Aerle Taree, Ajile, Kwesi Asuo, Nadirah Shakoor, Foley, Rasa Don, Nicha Hilliard e Isaiah “Zā” Williams. Ao longo dos anos o grupo foi sofrendo várias alterações, atualmente Speech é o único remanescente da primeira formação e ainda conta com One Love, JJ Boogie, Tasha Larae e Fareedah Aleem.

Esse álbum foi lançado em 24 de março de 1992, sempre reforçamos aqui no BF o quanto a cena da música Rap era diversa nos anos 90 e por isso mesmo muito rica. Mas mesmo com tanta diversidade o que estava reinando nesses primeiros anos da década era o tal do “gangsta rap” da costa oeste. Por isso mesmo ninguém esperava que um grupo com foco no afro-centrismo, falando de paz, amor e vindo do sul do país poderia ser a maior revelação do ano. Sim, eles eram de Atlanta e até hoje sinto que a história deles é ignorada nos Estados Unidos, não apenas por artistas, mas por críticos e veículos especializados também.
Eu consegui comprar esse vinil mais de 10 anos depois dele ter sido lançado e paguei muito barato. Uma vez vi uma cópia dele na extinta loja A-Place, no centro de SP, essa loja era o ponto de encontro da geração de MCs paulistas que hoje são sucesso (Rincon, Emicida, Rashid, Projota e Nocivo por exemplo), inclusive tem até vídeos de batalhas realizadas na loja. Eu conhecia o DJ Zinco e o MC Dejavu (Contra-Fluxo), proprietários da loja, então sempre estava lá. Escrevo isso, porque eu via discos como esse lá pra vender e a molecada não tava nem ai pra esses discos, eu ficava indignado. Mas enfim, é só pra mostrar que por aqui o AD também ficou pra trás, o que é uma pena.

Assista uma versão de “Revolution”, uma das trilhas do filme ‘Malcolm X’

Esse disco é maravilhoso, foi um dos álbuns que fiquei mais feliz em adquirir, mesmo que seja a prensagem nacional. São 15 faixas no vinil, nos EUA foi lançado pela EMI/Chrysalis e no Brasil pela EMI-Odeon. A produção foi toda do Speech, na abertura eles já mostram um diferencial, a música “Man’s final frontier” traz uma performance do DJ Headliner. A segunda faixa demonstra a preocupação e o respeito pelas mães solteiras, geralmente abandonadas por homens covardes e irresponsáveis, na letra Speech rima – “irmãos falando em revolução, mas deixam seus bebês para trás”. Em um dos refrões de “Mama’s always on stage” eles cantam – “Não haverá revolução sem mulheres, não haverá revolução sem filhos”.

Assista a performance deles no Grammy de 1993

Foram lançados três singles, “People everyday” foi o segundo a ser lançado e ganhou o prêmio de melhor vídeo na MTV. Pode sem dúvida ser considerado um dos maiores sucessos do grupo, inclusive aqui no Brasil, em qualquer pista não tem quem não cante o refrão. A letra fala sobre a visão de Speech na época, onde ele via a Cultura Negra mais ligada a África, enquanto outros irmãos negros zombavam dele por ser assim, das suas roupas e dos seus locks. O vídeo da música mostra um pouco disso e na letra ele fala sobre a briga que isso pode causar entre irmãos, mas ao final da letra fica a moral da história – “os africanos precisam se amar e se unir”. Essa música tem várias versões, o título e o refrão foram inspirados na música “Everyday people” do Sly and The Family Stone.

Assista ao vídeo

O single “Tennessee”, o primeiro a ser lançado, foi o grande premiado no Grammy em 1993 como Melhor Performance de uma Dupla ou Grupo de Rap. Nesse mesmo Grammy eles ainda levaram o prêmio de Melhor Artista Novo ou Revelação, sendo o primeiro grupo de Rap a vencer nessa categoria. Ganhar esse prêmio com “Tennessee” e alcançar todo esse sucesso com ela foi muito significativo para Speech. O título da música faz referência às suas origens e também ao lugar onde ele viu dois de seus entes queridos pela última vez, sua avó preferida e o seu irmão mais velho. Ele encontrou seu irmão no Tennessee para o funeral da avó, uma semana depois seu irmão também veio a falecer. A letra é uma conversa com Deus, uma oração, o refrão diz – “leve-me para outro lugar, leve-me para outra terra, faça-me esquecer tudo o que me machuca e me ajude a entender seu plano”.

Assista ao vídeo de “Tennessee”

Essa música ainda teve uma polêmica por conta da liberação de um dos samples utilizados. Eles usaram a voz do Prince, retirada da música “Alphabet street”, os advogados esperaram a música fazer mais sucesso para então pedir o pagamento de U$ 100,000 dólares. De acordo com Speech, Prince ainda deu um boi pra ele, porque ele poderia pedir que fosse considerado co-autor da música e continuar recebendo os direitos, o que naquela época, com todo o sucesso, renderia muita grana. O último single, também de muito sucesso, foi “Mr. Wendel”, música dedicada a homens e mulheres que pra muitos são invisíveis, os sem-teto, moradores de rua. Metade da renda conseguida com esse single foi doada para a National Coalition For the Homeless dos Estados Unidos, uma entidade que cuida dos sem-teto.

Assista ao vídeo de “Mr. Wendel”

Esse disco é um exemplo de que dá pra fazer música boa, com letras positivas, poesia pro bem, revolucionária, ativista e também fazer sucesso, ganhar prêmios e entrar pra história. Não troco nenhum álbum do que chamam de “gangsta rap” por esse disco, mas infelizmente muitos que se dizem ativistas, militantes e revolucionários fizeram o contrário e preferiram outras influências.

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A importância do Arrested Development nessa época foi tanta, que poucos meses depois do sucesso alcançado com esse disco eles foram procurados por Spike Lee para fazer uma música para a trilha do filme Malcolm X. Para essa empreitada fizeram o clássico “Revolution”, com vídeo dirigido pelo próprio Spike. Assista abaixo outra versão do vídeo e entenda mais uma vez o quanto é mais importante fazer música na quebrada apontando soluções do que ficar apenas ostentando armas, drogas e violência.

O AD continua em atividade (não confunda o grupo de Rap com o seriado norte-americano), sendo ativista, militante e fazendo música boa, por conta disso segue sendo ignorado nos Estados Unidos. Da minha parte, sigo o que o Public Enemy desde sempre nos ensinou, a não acreditar no “hype”.

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Ouça o álbum completo

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