Durante estes 20 anos, o BF registrou o máximo possível sobre o Hip-Hop no mundo e em 2004, através do Kall (Conclusão/Conceitos de Rua), fizemos uma matéria especial* com representantes do Hip-Hop da Alemanha. Resgatamos essa entrevista e também um vídeo.
Leia abaixo:
Vivian, Senol e Camila são descendentes de imigrantes da Turquia e do Chile que desenvolvem trabalhos relacionados ao Hip-Hop desde 1988. Eles vieram ao Brasil participar do evento “Hip-Hop 20 anos”, realizado na PUC e em algumas unidades dos CEUs. O evento foi organizado pelo Kall (Conclusão/Conceitos de Rua) e trouxe para o Brasil DJs, MCs e Grafiteiros para uma série de atividades e troca de ideias com representantes do Hip-Hop de São Paulo. Conversamos durante cerca de 40 minutos na sede da ONG Sampa Org, no centro da cidade de São Paulo.
Senol é Grafiteiro, um dos mais antigos e mais atuantes da Alemanha, inclusive grafitou o muro de Berlim antes da queda. Ele é descendente de imigrantes turcos. Vivian é MC, organiza alguns eventos, faz Graffiti e também é descendente de imigrantes turcos. Camila é MC, descendente de imigrantes chilenos. Junto com Vivian formam o grupo 36Girlz e foi ela a nossa intérprete neste bate-papo, já que fala espanhol e entende o português.
Começamos falando sobre o início do Hip-Hop por lá e nos explicaram que foi através dos militares estadunidenses, na época aliados dos alemães, que a Cultura chegou até o país, por volta de 1982/83. Senol e Vivian começaram seu envolvimento com o Hip-Hop em 1988. Ele, por sua vez, conheceu o Hip-Hop através de Maxim, seu professor e um grande representante da velha escola do Hip-Hop alemão, que foi assassinado em 13 de junho de 2003 por um neo-nazista, aos 33 anos de idade.
Maxim foi o criador de uma das primeiras Crews de B.boys, os 36 Boys, do qual Senol é integrante e transformou em um selo. O nome 36 Boys, foi dado porque na região em que Maxim morava os bairros eram divididos por números e o seu bairro era o de número 36. Berlim era dividida por 4 setores, o setor russo, o norte-americano, o francês e o britânico. O bairro 36 ficava no setor dos norte-americanos, onde Senol também cresceu. Maxim é considerado uma das personalidades mais importantes do Hip-Hop alemão por tudo que fez pela Cultura.
Com os 36 Boys ele conseguiu juntar os imigrantes, ensiná-los a Cultura e fazer com que eles criassem as suas próprias Crews. De acordo com eles, por influência do governo, começaram a acontecer brigas entre as crews, que se tornaram gangs.
Após a morte de Maxim, Senol juntou todo material que tinha dele, preparou um CD e um DVD e começou um projeto para a ajudar a família de seu mestre. Anualmente também é realizado um evento onde todas as pessoas do Hip-Hop alemão se reúnem, se apresentam e todo o dinheiro arrecadado também é destinado a família de Maxim.
O evento aconteceu pela primeira vez esse ano e foi também a primeira vez em que as Crews se juntaram para realizar um projeto social, sem brigas. Além disso, acontecem na Alemanha eventos com cada um dos elementos, o ITF (campeonato de DJs), Battle of The Year (batalha de B.boys), batalhas de MCs e mostras de Graffiti. A morte de Maxim foi o maior exemplo dos problemas que o Hip-Hop enfrenta com os neo-nazistas, por serem ideologias totalmente diferentes. Alguns problemas do Hip-Hop lá são universais, como o machismo que a MC Vivian diz já ter sofrido algumas vezes. Do Hip-Hop daqui Senol se apaixonou pelos Graffitis e pelas peripécias e letras de alguns pixadores. O que ele mais gosta de grafitar são trens e nos perguntou se alguém aqui já tinha feito Graffiti no metrô. Fez contato com os grafiteiros Otito, a grafiteira Medusa e Bonga, que os convidou para fazer parte da Crew de grafiteiros Tinta Loka.
Esse ano foi lançado por lá o filme “Status Yo“, que mostra a cena Hip-Hop da Alemanha. A história principal do filme é o romance entre um garoto que não é mulçumano e uma menina mulçumana. Senol, Camila e Vivian ficaram meio tristes com o filme, que mostra pouco sobre a cena dos imigrantes, que é os que mais fazem o Hip-Hop acontecer. O diretor pegou os alemães puros de classe média e os mostrou como se aquilo fosse o Hip-Hop alemão, pra quem é de fora engana, pois é apenas uma parte do Hip-Hop. Eles acham válido o documentário e respeitam o trabalho. Frisam que não existe separação entre imigrantes e alemães, eles fazem coisas juntos, músicas e tudo mais. O diretor do filme é suíço, portanto não conhece nada sobre o Hip-Hop por lá. Outra coisa que incomodou a MC Camila foi que as meninas mostradas no filme, só aparecem brigando, o que passa uma imagem das mulheres que não é real.
Assista abaixo um vídeo das MCs Camila e Vivian. As duas rimam no idioma original de suas famílias e não em alemão. No vídeo, Vivian é a da esquerda, que faz beatbox e canta em turco. Camila é a da direita e canta em espanhol. O nome da música é “Get famous“ e a qualidade do vídeo não está boa, pois postávamos apenas no site, não existia YouTube ainda e a Internet exigia uma qualidade inferior.
*Matéria originalmente publicada em 23/12/2004