Especial | KRS-One: o hip hop em carne e osso

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Boogie Down Productions

Dia 3 de março é o aniversário do lançamento do primeiro trabalho do grupo BOOGIE DOWN PRODUCTIONS, o álbum “Criminal Minded“. Em homenagem a esse clássico, relembramos matéria especial com o Teacher KRS-One, publicada no BF em novembro de 2007. Abaixo você dá o play e boa leitura!

KRS-One é, como muitos dizem por aí, “a cultura hip hop em carne e osso”. Desde que iniciou sua caminhada pela música rap, por volta de 1986, a qualidade de sua rimas, o conteúdo de suas letras e a forma animada e positiva com que apresenta-se nos palcos conquistam mais e mais fãs e admiradores.

Nascido em Park Slope, bairro do Brooklyn (NYC), em 20 de agosto de 1965, Lawrence Krisna Parker, conhecido como KRS-One, possui descendência nigeriana e jamaicana.

Com a vida marcada por dificuldades e superações, Lawrence, com apenas 13 anos de idade, sai de casa para ganhar o mundo. Moleque pobre e franzino, adorava jogar basquetebol, mas já demonstrava interesse pela leitura e fome de saber. Quando não estava pelas quadras de basquete, era visto na Biblioteca Pública do Brooklyn. À noite, refugiava-se num abrigo para moradores de rua, hora na ilha de Manhattan, hora no bairro do Bronx. E foi por lá que ele acabou por ser apelidado de “Krishna”, devido ao seu interesse pela espiritualidade e filosofia Hare Krishna. Foi justamente nesse ambiente que ele conhece seu grande parceiro, Scott Sterling. Juntos, costumavam sair à noite para trocar idéias e graffitar nos becos e trens da cidade. Em suas assinaturas o nome “KRS-One”, que significava “Knowledge Reigns Supreme Over Nearly Everyone” ou “O Conhecimento Reina Supremo Próximo a Todos”.

Em pouco tempo, KRS-One e Scott, mais conhecido como DJ Scott La Rock, criariam o grupo Scott La Rock and The Celebrity Three, pelo qual lançaram o álbum “Advance”, no início de 1984. O grupo era formado por Levi167, Quality, KRS-One e, claro, DJ Scott La Rock. Numa época em que a maioria dos MCs seguiam uma linha de rimas que abordava temas como o álcool, jóias e carros, o grupo falava sobre assuntos sérios e criava discussões e debates em torno dos reais problemas da sociedade americana. No entanto, com problemas envolvendo a gravadora e divergências, o grupo desfez-se.

Surgia então o grupo Boogie Down Crew (B.D.C.). Foi durante esse período que KRS-One escreveu umas de suas músicas mais importantes, a “Stop The Violence”, que depois veio a frutificar com o “Stop The Violence Movement”, que contou com a força de Chuck D e o Public Enemy e outros artistas na luta contra a violência, que descambava pelas ruas de Nova York na época.

No ano seguinte, Scott foi convidado a lançar um álbum pela gravadora Sleeping Bag Records. O problema era que o disco já estava semi-pronto, com letras e produções já desenvolvidas. Foi um momento complicado. Ambos tiveram que abrir mão do projeto com o B.D.C. por um tempo e o resultado do trabalho, não rendeu nem direitos, nem grana alguma. Com o aprendizado e a necessidade de se ter independência de criação e produção , surgiu então, em 1985, o  Boogie Down Productions (B.D.P.).

KRS-One e Scott La Rock eram muito ligados. Em 1987 o B.D.P., que contou também com a contribuição do rapper D-Nice em alguns trabalhos, lançam o álbum “Criminal Minded”. O disco possuía muitas referências à violência, gangues, sexo e drogas. Podemos dizer que esse trabalho é um verdadeiro retrato da realidade das grandes metrópoles americanas, em especial Nova York, daquele período. Logo após o debut do grupo, Scott La Rock é assassinado, após tentar “apaziguar os ânimos” de duas gangues rivais em disputa no Bronx. Esse evento modificou totalmente os rumos do B.D.P. e da vida de KRS-One. Dizia-se, na época, que o grupo, até então uma grande referência juntamente com o Public Enemy, não iria continuar, mas desistir nunca foi um verbo conjugado por KRS.

Enquanto a morte de Scott chocava a comunidade hip hop e a grande mídia, que passou a dar grande destaque à violência envolvendo a música rap e as gangues, KRS-One passa por grandes questionamentos e mudanças. Em pouco tempo ele deixa a gravadora  B.Boy Records e assina com a Jive, produzindo e lançando o disco “By All Means Necessary”. Estamos no ano de 1988 e KRS enfim consegue realizar um sonho, tanto dele como de Scott La Rock: o de colocar na cena um álbum que mudaria a imagem da música Rap no mercado mainstream e na mídia de massa. A música “My Philosophy” coloca o Boogie Down Productions e KRS em evidência e representa um novo marco no hip hop.

A partir daí, KRS-One parte em uma corrida incessante por conhecimento, sabedoria e “revolução”. Uma revolução que não passaria pelas armas ou por conflitos, mas por uma descoberta de si mesmo e da natureza do mundo em que vivemos. Em seus trabalhos seguintes, KRS trabalha muito com letras que falam da pobreza, da vida dura dos moradores de rua, sobre a história do negro americano e política, muita política. Com o tempo, também se nota que sua vinculação com o mundo religioso/espiritual torna-se evidente, principalmente devido ao conteúdo de suas letras. KRS-One passa claramente a procurar respostas para as suas dúvidas e angústias e, em as achando, inicia um processo de “repassagem” através de sua música. Além disso, sua paixão pela cultura hip hop em sua essência o leva a pesquisar e se aprofundar ainda mais sobre a sua história e seus princípios.

E foi justamente esse desejo e essa busca por conhecimento, algo que o acompanha desde sua infância, que o tornou um dos maiores porta-vozes da cultura de rua mundial. Seu desejo nunca foi o de somente encher-se de conhecimento, mas o de propagá-lo. Com isso, KRS-One passa a realizar – num período de mais ou menos 15 anos e sempre a convite, de forma gratuita – palestras em mais de 500 Universidades – como Harvard, Yale, Vassar, Columbia, NY University e Standford. Surge então o apelido de The Teacher ou O Professor. Em suas apresentações pelos quatro cantos dos Estados Unidos, KRS leva sempre a palavra da paz, da união e da justiça. Mostra que o hip hop não é somente violência, dinheiro, jóias, mulheres e o glamour apresentado em vídeo-clipes da moda. Mas sim uma cultura que busca desenvolver, com valores espirituais e morais, e sustentar (materialmente falando) a todos que desejam, com o seu trabalho e a arte, seja pela música, pela dança ou pelo graffiti – realizar alguma mudança positiva em suas vidas e na sociedade em que vive.

No website Temple Of Hip Hop, por exemplo – organização fundada e mantida por KRS, que tem por função a propagação de suas idéias e da cultura hip hop – encontramos, no link The Hip Hop Declaration Of Peace o primeiro princípio que diz: “O hip hop é um termo que descreve a nossa consciência coletiva independente. Cada vez maior, é comumente expresso através de elementos como a Breakin (Dança de Rua), Emceein (MC), Graffiti, Deejayin (DJ), Beatboxin, Moda de Rua, Linguagem de Rua, Conhecimento de Rua e Empreendedorismo de Rua (…)”.

É dele também a famosa frase que diz “Rap is somethin´ we do, Hip-Hop is somethin´ we live”, ou “Rap é algo que fazemos, Hip-Hop é algo que vivemos”. KRS defende que “nós somos o hip hop” e que podemos, com talento, criatividade e esforço pessoal, modificar nossa realidade e, consequentemente, a de nossos familiares e amigos. Ele pensa o hip hop como uma real e original manifestação das ruas e encara a arte do MCing com muita seriedade, pregando que o verdadeiro MC deve ter muita responsabilidade com as palavras que profere. Segundo KRS-One, um MC não é feito só de rimas, mas deve conduzir a platéia/audiência com destreza, da mesma forma que um regente coordena as ações de uma orquestra. Em termos de desempenho de palco, em shows e apresentações, KRS também é um dos artistas mais respeitados e admirados. Ainda não tivemos a oportunidade de vê-lo em apresentação no Brasil, mas por onde passou – todas as cidades norte-americanas, Japão, e também pela Europa, como Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Holanda e Dinamarca – conquistou fãs e causou grande impacto na forma como as pessoas encaram a música Rap como meio de entretenimento, mobilização e informação.

Pode-se dizer que KRS-One é, sem rodeios, um dos MCs mais completos de todos os tempos. Sua influência na música rap e para com outros artistas transpassa a questão de valores e princípios que o Teacher sempre carrega consigo. Musicalmente falando, KRS modificou a forma de se fazer rap estreitando a relação do estilo com outros gêneros musicais, como o reggae e o raggamuffin. Além disso, sua habilidade com as palavras e a sua língua nativa, o inglês norte-americano, é notadamente superior. Enquanto muitos rappers utilizam-se de truques de linguagens – muito comuns na língua inglesa (algo como, por exemplo, rimar palavras somente como o final “ão” ou no gerúndio na língua portuguesa) – KRS trabalha com as palavras de forma realmente diferenciada, instigando aquele que o escuta a interpretar não somente a rima, mais superficial, mas o jogo e o encaixe das palavras e frases, que possuem também significados importantes em suas construções poéticas.

Atualmente [na época em que esse artigo foi escrito, em 2007], The Teacha KRS-One – após o lançamento de seu novo álbum “Hip Hop Lives”, com produção da lenda da música rap, Marley Marl – trabalha na produção e lançamento de seu terceiro livro de forma independente, intitulado “The Gospel of Hip Hop”, que tem como objetivo servir como guia ou manual para todos os apreciadores e estudantes da cultura hip hop em geral. O livro, lançado em janeiro de 2008, pode ser solicitado através de E-mail diretamente com a equipe do portal Temple Of Hip Hop ou na Amazon (link acima). Segundo o próprio KRS-One, “The Gospel of Hip Hop” – ou “O Evangelho do Hip Hop” – aborda a cultura hip hop espiritualmente, bem como culturalmente. Ela apresentará um código espiritual de conduta capaz de ajudar a todos os hip-hoppas na busca de maior de saúde, amor, conhecimento e riqueza. KRS-One afirma: “(…) percebemos que há muito tempo, a fim de preservar verdadeiramente Hip-Hop, teríamos, primeiro, de preservar a comunidade Hip-Hop, fazendo com que ela pudesse melhor compreender a própria cultura”.

Leia também:
[+] Hip Hop, filosofia, espiritualidade e metafísica. KRS-One e seus novos projetos

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