Revista BF | Conheça o DJ e produtor Chris Read, responsável pelo conteúdo do WhoSampled

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DJ Chris Read. Foto: Paz Dean (2012)

A sigla DJ (Disc Jockey) antes da Cultura Hip Hop existir já era usada para designar alguém que fazia a seleção musical em festas e principalmente em rádios.

Mas, a partir do surgimento e popularização da Cultura Hip Hop, a sigla ganhou outro status, os DJs do Hip Hop foram os maiores responsáveis por toda a evolução de técnicas e equipamentos.

O DJ deixou de ser apenas um “seletor de músicas”, criou performances, inventou o scratch e tantos outros malabarismos e efeitos. Muitos se tornaram produtores, a grande maioria, pelo menos durante os anos 70 e 80, foi representada pelos maestros de todos os grandes MCs.

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A Inglaterra é um país reconhecido pela valorização dos DJs, é lá que acontece, desde os anos 80, o DMC (Campeonato Mundial de DJs). DJs brasileiros como Marky e Patife se tornaram reconhecidos mundialmente, não apenas pelo trabalho nas noites de São Paulo, mas também pelo reconhecimento a partir do público inglês. Mesmo a Inglaterra tendo uma tradição em valorizar a cultura dos DJs, não são muitos os representantes ingleses do Hip Hop que são famosos aqui no Brasil.

DJ Chris Read. Foto: Paz Dean

Essa introdução é pra apresentar o DJ e produtor inglês Chris Read, um grande nome pouco conhecido da maioria dos brasileiros, talvez vocês já tenham ouvido alguma de suas mixtapes no Bocada Forte ou em alguma outra plataforma.

Em mais de 20 anos como DJ, Read já fez mais de uma centena de mixtapes, a grande maioria delas de Rap. Uma carreira que começou com apenas 15 anos de idade. Com cerca de 11 anos, Chris já colecionava discos.

Resolveu se tornar DJ, como ele mesmo diz,  “para fazer um uso criativo dos discos da minha coleção”. Aos 18 anos, com a intenção de compartilhar e encontrar pessoas com o mesmo gosto musical, ele começou a promover festas em Londres.

Confira a mixtape especial de 25 anos do álbum ‘Illmatic’ do Nas

Durante 11 anos (1995 a 2006) foi o DJ residente de uma das maiores festas do Reino Unido, a Substance, por onde passaram nomes como: Grand Master Flash, DJ Premier, KRS One, Masta Ace, Jeru the Damaja, Souls of Mischief, The PharcydeDJ Cash Money, Maseo do De La Soul, entre outros. Por 2 anos trabalhou como DJ na rádio BBC 1xtra, o que ajudou muito para que ele conseguisse destaque na cena. Seus projetos ligados a música são grandes, importantes e envolvem gravadoras como a BBE, Suburban Architeture, Different Drummer, a revista Wax Poetics e o site Classic Material. Além de tudo isso, ele é o responsável por administrar, gerenciar e supervisionar todo o conteúdo da plataforma WhoSampled, um site/aplicativo usado por muita gente no Rap para descobrir músicas que já foram sampleadas, para saber por quem, quando e de que forma foram usadas.

Confira a mixtape especial de 30 anos do álbum ‘3 Feet High and Rising’ do De La Soul

Em se tratando de samples, Chris falou sobre as leis que regulamentam seu uso, elas variam em cada país, mas são muito semelhantes e atrasadas, sobre isso ele afirma – “A lei está terrivelmente desatualizada em relação a forma como a música é feita no mundo moderno.”  E continua – “Essas leis existem desde os dias em que o principal meio de disseminação da música era a partitura. Elas não se aplicam facilmente às práticas musicais modernas e é por isso que existem inconsistências maciças na maneira como tratam diferentes tipos de criação musical.” O DJ nos explica seu ponto de vista e exemplifica – “gravar uma versão cover (copiar efetivamente a música inteira de outra pessoa) é muito mais fácil de fazer legalmente do que pegar uma pequena parte da gravação de outra pessoa, colocar em outro contexto, e transformar em algo completamente diferente (sem dúvida um ato mais criativo).”

Confira a mixtape especial de 20 anos do disco ‘Beats Rhymes & Life’ do A Tribe Called Quest

Read não conhece nada sobre o Rap brasileiro, dificilmente ouve algo do gênero em outros idiomas que não seja em inglês, a não ser de lugares que ele tenha vivido, como por exemplo a França. Mas apesar disso, ele já ouviu Rap feito em português e fez um remix para a dupla de Moçambique Simba e Milton Gulli (assista e ouça abaixo), que mistura inglês e português em suas músicas

Em relação a música brasileira já é diferente – “ouço bastante música brasileira, principalmente coisas que são muito sampleadas: Marcos Valle, Eumir Deodato, Arthur Verocai, etc. Gosto dos clássicos da bossa como João Gilberto e Jobim, mas não me considero um especialista. Eu fiz dois volumes da série de mix ‘Brazil 45s’ para o selo Mr Bongo, que foram muito divertidos de fazer.” (confira abaixo)

Seu outro contato com o Brasil foi através dos DJs Marky e Patife, já citados antes, e da dupla Drumagick. Marky teve trabalhos lançados pela BBE, nas palavras de Chris “ele tem muito bom gosto em relação a Disco e Soul, fora o material de D&B (Drum ‘n’ Bass) que ele manja muito, inclui o remix de Roy Ayers na minha compilação BBE15″. (confira no vídeo abaixo)

Mesmo sendo colecionador de discos há muito tempo, Chris não tem uma coleção absurda, são cerca de 7.000 discos e ele prefere mantê-la desse tamanho. Mesmo comprando muitos discos, ele desapega de alguns, os vende e assim vai equilibrando e renovando seu arsenal. Como a maioria dos DJs e colecionadores de discos ao redor do mundo, ele usa o site Discogs para encontrar discos que ainda não tem – “Eu mantenho uma lista de desejos no Discogs, que já tem cerca de 500 itens no momento.”

DJ Chris Read. Foto: Paz Dean

Mesmo desapegando, se desfazendo de alguns discos que ele considera “não serem mais necessários na coleção”, ao mesmo tempo ele reconhece o seu lado colecionador – “existem discos que eu perdi quando foi lançado e eu gostaria de obter para completar pequenas coleções.

Digamos, se você tem tudo de um determinado artista ou de uma certa gravadora, exceto um ou dois lançamentos, eu gosto de conseguir todos. Percebo que isso é desnecessário, mas acho que tenho uma mente de colecionador para algumas coisas.”

Suas mixtapes, mais de uma centena, são variadas e o Rap, Jazz, Funk e o Soul predominam. Muitas delas são temáticas ou comemorativas, especiais dedicadas a um disco, uma época ou um artista. Seu método de gravação envolve técnica, uso de vinis e também a tecnologia, o que de acordo com ele ajudou muito na evolução do seu trabalho – “Eu acho que a transição do vinil tradicional para o Serato foi a grande virada para mim.” Mas ainda assim ele faz questão de deixar claro, que mesmo fazendo uma edição, tudo é gravado a partir dos toca-discos.

Confira a mixtape especial de 25 anos do álbum ‘The Main Ingredient’ do Pete Rock & CL Smooth

Perguntado sobre todo o processo para a gravação de uma mixtape, ele detalhou – “Normalmente, passo mais ou menos meio dia fazendo a pesquisa e outro meio dia trabalhando em que ordem colocar tudo. Depois disso, passarei algum tempo praticando as viradas e ver se tudo funciona da maneira que eu quero. Para gravar tudo, leva cerca de um dia e depois é preciso editar. Na maioria dos casos, já tenho a maioria dos discos, mas compro alguns se necessário, geralmente digitalmente. Eu uso discos na gravação onde posso, porque a qualidade do som é melhor, mas a maioria é feita via Serato, porque geralmente há muito uso de loops.”

Confira a mixtape especial com samples utilizados em algumas músicas do Jay-Z

Ainda sobre as mixtapes, que são uma parte importante de sua história, ele falou algumas dicas necessárias para uma boa mixtape – “Em primeiro lugar boa música, obviamente. Não importa quanta habilidade técnica você tenha se tiver mau gosto. Eu não acho que as mixagens necessariamente precisam ser excessivamente técnicas. Uma mixagem tecnicamente impressionante pode ser ótima, mas não à custa da própria música. Uma boa mixagem para mim é aquela que conta uma história ou faz você apreciar a música de uma maneira nova. Isso deve adicionar algo à experiência de ouvir os discos – se uma lista de reprodução dos mesmos discos for igualmente agradável, a mixagem não serve para nada.”

Confira a mixtape especial de 20 anos do álbum ‘Labcabincalifornia’ do The Pharcyde

O seu conhecimento e amor a música Rap está muito bem representado na sequência de mixtapes ‘The Diary’, onde ele praticamente conta a história do Rap através dos grandes clássicos. Entre os DJs que o influenciaram se destacam os que trabalharam em rádios, como os ingleses DJ Pogo e Matt White na Kiss FM, Marley Marl na Capital Rap Exchange, Funkmaster Flex na Hot 97, Stretch Armstrong na WKCR. Entre os DJs de festa estão – DJ Food, Mr Scruff, Chubby Grooves, The Runaways e Mr. Thing.

Ouça uma das edições da mixtape ‘The Diary’ com Raps de 1979 a 2007

Entre os DJs especializados no turntablism ele destaca – Rob Swift, Roc Raida e a crew Scratch Perverts. Atualmente ele não se considera tão influenciado, conseguiu construir o seu estilo, mas qual seu estilo Chris? – “Hoje em dia eu diria que sou menos influenciado pelos outros do que fui no começo. Na medida do possível, tento fazer minhas próprias coisas. O meu estilo de tocar é muito semelhante à maneira como gravo mixtapes – muito planejamento, tento ser preciso na maneira como as coisas se encaixam.”

Confira a mixtape especial de 25 anos do álbum ‘Enta da Stage’ do Black Moon

Vale ainda ressaltar, que no site MixCloud, onde todas as suas mixtapes estão disponíveis, ele já figurou na lista dos 100 melhores DJs, na 17º colocação, entre as 100 melhores mixagens, ele já ficou na 7º colocação. Esse é o DJ Chris Read, nunca veio ao Brasil, mas está aberto a convites e pra finalizar ele agradece – “Obrigado a todos que ouviram, compraram ou no geral demonstraram amor pelo meu trabalho!” Para saber sobre todos os seus projetos, lançamentos e contatos, é só acessar www.musicofsubstance.com.

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