Nino Brown: ‘O caminho que o Hip Hop tem que tomar é o caminho da verdade, da sinceridade e da honestidade’

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Afrika Bambaataa e Nino Brown. Foto: Acervo BF (clique para ampliar)

Responsável pela organização Zulu Nation Brasil, Nino Brown ou King Nino Brown, como é conhecido por ser o primeiro membro da entidade no Brasil, esteve no Rio Grande do Sul. Foi no mês passado, quando ele visitou a serra gaúcha, em Bento Gonçalves.

Numa breve conversa*, Nino Brown falou sobre a entidade que preside, a Zulu Nation, a cultura Hip-Hop, seus princípios e valores, e o que ele pensa sobre os diversos assuntos relacionados à cultura de rua.

Confira!

Bocada Forte (BF): Nino, qual foi seu primeiro contato com a cultura Hip-Hop? O que levou você a se identificar com o Hip-Hop?

Nino Brown (Nino): Aqui no Brasil, mais precisamente em SP, o Hip-Hop como todo mundo já sabe, chegou primeiro com a dança Breaking. Isso foi em 1984 na rua 24 de maio, com a Funk CIA, que tinha a seguinte formação: Nélson Triunfo, Preto Lila, Pierre, Mr. Betão, Billy, Fred e Byra e outros. Eu me aproximei do Hip-Hop devido o resgate que ele fazia na época da dança funk original e isso me fazia voltar os meus tempos de adolescente e dava uma boa sensação no meu ser espiritual, ou seja, dançar com a alma e a mente.

BF: Na sua opinião quais as grandes diferenças que você vê do Hip-Hop que era produzido antigamente?

Nino: Antigamente acho que as pessoas faziam Hip-Hop por amor, apesar das dificuldades. Eu, por exemplo, continuo do mesmo jeito fazendo o que eu sempre fiz, que é manter o Hip-Hop vivo sem perder a sua história, a sua essência. Mesmo sobrevivendo do Hip-Hop eu procuro devolver tudo que ganho no Hip-Hop em forma de sinceridade e honestidade e respeito pelas as pessoas que criaram o Hip-Hop no mundo.

BF: Quando a Universal Zulu Nation adentrou em sua vida? Conte pra gente como tudo começou?

Nino: Eu ouvia algumas coisas do tipo: Hip-Hop é mistura do rock com o funk, Hip-Hop é uma dança. Nunca gostei de falar das coisas sem antes saber a história de como começou tudo. Foi daí que peguei o disco do Afrika Bambaataa que chama (Luz). Vi o endereço atrás da capa e resolvi escrever uma carta para a The Universal Zulu Nation. Isso foi em 1994. No prazo de uma semana recebi um questionário com 30 perguntas e foi daí em diante que me tornei o primeiro membro da The Universal Zulu Nation, que pra mim é uma grande honra.

BF: Nos fale um pouco sobre os principais aspectos e valores da Universal Zulu Nation.

Nino: Os princípios são: Paz, Amor, União e Diversão, se sobressaindo de tudo o que é negativo. Colocando sentimento em tudo o que você for fazer na sua vida. Acreditar que um dia vamos todos nos encontrar e prestar contas a Força Suprema Universal, que rege este planeta chamado de Terra. Cuide-se, mantendo sua mente em alerta e usando os dois lados do seu cérebro para que não venha cair em tentações e depressões.

BF: Que diferença você acredita que existam entre a cultura Hip-Hop norte-americana e a brasileira?

Nino: A diferença seria os costumes, como, por exemplo, fazer um Hip-Hop com a cara do Brasil, usando coisas daqui. E olha que temos muito, mas lógico que nos EUA também tem coisa boa. Hip-Hop é universal. Sabendo usar com inteligência, sabedoria e conhecimento não temos que demarcar fronteiras. Moramos no mesmo planeta. Agora, se eu for falar nos afrodescendentes, aí já é uma história semelhante. A única diferença é que alguns navios vieram pra cá e outros foram pra lá.

BF: A realidade brasileira, muitas vezes, faz com que tenhamos de adaptar certos conceitos. A cultura Hip-Hop passou por isso e ainda passa, no decorrer dos tempos. Como você vê esse processo no Brasil, que caminho a cultura Hip-Hop vem, tomando e que perspectiva você vislumbra o futuro.

Nino: O caminho que o Hip-Hop tem que tomar é o caminho da verdade, da sinceridade e da honestidade. Fazendo isso está bom demais, seja em qualquer país ou tempo. Não consigo enxergar um Hip-Hop dividido. Não posso e não devo filosofar demais. Tenho que fazer a coisa certa custe o que custar. Ficar reclamando não resolve. Vamos para coisa prática!

O Hip-Hop foi criado para fazer o bem a humanidade. A participação política é necessária, mas o Hip-Hop é anti-partidário

BF: Existem visões diferenciadas quanto à utilização de ferramentas políticas entre a Zulu Nation Brasil e a Univesal Zulu Nation. Como é encarada a participação da cultura Hip-Hop em movimentos políticos-partidários?

Nino: Com certeza a política aqui como em qualquer país do mundo são diferentes. Como já falei, a ferramenta principal que a Zulu Nation usa, sempre será a do conhecimento e da sabedoria. As pessoas precisam ler e se informar. O Hip-Hop foi criado para fazer o bem a humanidade. A participação política é necessária, mas o Hip-Hop é anti-partidário.

Nino Brown. Foto: Reprodução/UOL

BF: Qual, na sua visão, a principal missão da cultura Hip-Hop?

Nino: A principal missão do Hip-Hop, com suas oficinas seja em centros culturais, ginásio, escolas, faculdades, enfim, é fazer com que adolescentes, jovens e adultos tenham a consciência de lutar por um mundo melhor e conhecer os seus direitos como cidadãos.

BF: A mídia, assim como pode contribuir para uma maior divulgação da cultura Hip-Hop também pode levar a distorções significativas. Como você vê esse aspecto?

Nino: A mídia realmente pode ajudar e pode estragar. Já li cada besteira que falam do Hip-Hop sem conhecer o lado significativo dele… Pegam meninos e meninas que usam o “kit Hip-Hop” e o jornalista vai escrever o que ele achou melhor ou o que combinou com a tese dele. A TV mostra o Hip-Hop, mas tem pessoas que contam histórias e tem pessoas que viveram a história.

Como agora posso falar de Zumbi dos Palmares, Dandara, (…) Malcolm X, Martin Luther King, Steve Biko, Rosa Parks (…) A morte dessas pessoas não tem mais significado. O dinheiro faz bem ao ser humano, mas atrofia a mente

BF: Com a parcial popularização da música Rap no Brasil muitos artistas passaram a modificar seus discursos, tornando-se meros reprodutores da realidade, sem questionamentos e, principalmente, sem mostrar soluções ou contribuir para o melhoramento das problemáticas enfrentadas pela população carente. Como você vê isso?

Nino: Não só aqui no Brasil, lá fora também! Eu acho que a pergunta já diz tudo. Os ativistas viraram artistas. Essa é a resposta. Eu vejo tudo isso com muita tristeza. Como agora posso falar de Zumbi dos Palmares, Dandara, Acotirene, Luis Gama, João Cândido, Anastácia, Malcolm X, Martin Luther King, Steve Biko, Rosa Parks, se virei um artista? É Complicado! A morte dessas pessoas não tem mais significado. O dinheiro faz bem ao ser humano, mas atrofia a mente.

*Entrevista originalmente publicada em 12 de julho de 2005

1 comentário

  1. Somente quem, de fato, tem empatia sincera por justiça social é capaz de aproveitar sua capacidade de leitura e compreensão de informações para formular ideias e propostas fora-da-caixinha,

    expô-las para discussões, e abrir mãos de opiniões pessoais em nome das “garimpagens” de pessoas uma por uma, para formar grupos articulados entre si para pressionar integrantes de Colegiados de Poderes de Decisões Políticas.

    As adesões a ideologias e partidos políticos de formas conscientes, críticas e sem respaldos de “racionalismos de conveniências políticas pessoais são consequências das valorizações de posturas defensoras de justiça social que envolvem honestidades intelectuais e posturas éticas…

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