Nerie Bento fala sobre o Doc ‘O Protagonismo das Minas: A Importância das Mulheres no Rap de SP’

Essa matéria foi publicada originalmente na Revista Bocada Forte Edição #01, em novembro de 2019

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Diariamente, a equipe do Bocada Forte pesquisa e prepara reportagens, entrevistas e notas sobre a história do Rap e do Hip Hop. Durante os trabalhos dos blogueiros, pesquisadores e jornalistas, uma das maiores dificuldades é encontrar registros da participação feminina na cultura de rua. Não que esses registros não existam, mas grande parte do material documentado foi feito por homens, com visões masculinas do que são o Rap e o Hip Hop.

É preciso muito mais do que dar um google. É necessário ir além dos sites “Today in Hip Hop History”, “On This Date In Hip Hop” e outros tantos que fazem o resgate da história de um dos mais populares gêneros da atualidade. Para revelar o real valor das mulheres na cultura de rua, o papel de blogueiros e jornalistas precisa ser mais do que seguir a onda e reproduzir releases. O mais importante: não há dúvidas, o protagonismo feminino na construção das narrativas no Hip Hop é fundamental.

Flyer do lançamento do documentário em outubro/2019 (clique para ampliar)

O documentário “O Protagonismo das Minas: A Importância das Mulheres no Rap de SP”, dirigido e roteirizado pela jornalista e produtora cultural Nerie Bento, representa essa reconstrução da narrativa. O filme  trata do marco zero da participação das mulheres no Hip Hop.

Lançado em outubro deste ano, o documentário tem o objetivo de ser um registro histórico da sobre as pioneiras da cultura de rua. Para Nerie, o filme não é para ser hype. Não foi feito para entrar festivais e ganhar prêmios. “Se isso vier, é consequência”, diz.

“A ideia realmente é que ele se torne um registro histórico, para quem hoje jogar na internet ‘início do rap feminino no Brasil’ consiga ter acesso a esse material. O documentário ainda não diz tudo, porque o inicio do rap feminino no Brasil é muito maior do que está registrado no filme. Mas pelo menos é um norte. Eu acho que consegui reunir as primeiras minas dos principais pontos do Rap”, afirma Nerie Bento.

Primeiras

Além da invisibilidade da arte feminina na cultura de rua. Os registros sobre as mulheres no Hip Hop, em sua maioria, ficam pautados na questão do machismo e centrada na figura da MC. O documentário de Nerie Bento surge para mostrar o protagonismo das mulheres em todos os elementos do Hip Hop.

Nerie Bento

“A gente pode entender o Hip Hop feminino hoje de forma bem ampla e plural. No documentário, eu faço questão de não colocar só a figura da MC, porque é isso que a gente atrela ao Rap, e o Rap é muito maior que isso. Então eu coloco a figura MC, a primeira mulher a ter um grupo de Rap. Eu também coloco a primeira mulher a trazer um novo estilo pro Brasil. Mostro a primeira mulher a criar um portal de notícias, só para divulgar mulheres. Falo sobre a primeira mulher a ser produtora do nosso maior programa de TV voltado pro Rap”, diz Nerie.

Diversidade

“O Protagonismo das Minas: A Importância das Mulheres no Rap de SP”  também registra que o Hip Hop não é só feito por mulheres cis. A pesquisa se estende à mulheres trans. Segundo Nerie, a diversidade é um assunto que precisa ser falado também, é preciso resgatar figuras como a rapper Jup do Bairro, por exemplo.

“Eu mostro a primeira mulher trans no Hip Hop. A gente precisa também falar disso, que o Rap não se iniciou só com mulheres cis. Nós já tínhamos Danna Lisboa lá, nós já tínhamos Jup do Bairro lá, então eu acho que é esse círculo: entender que o Rap não é só a figura da MC e, no caso do Rap feminino, não é só a figura da mulher cis que canta”, afirma.

Nerie Bento

FNMH

A Frente Nacional das Mulheres do Hip-Hop (FNMH), coletivo que está presente em 15 estados brasileiros e que busca fortalecer ações protagonizadas por mulheres que atuam no Hip Hop, em suas diversas linguagens, que tem como presidente Lunna Rabetti, foi a apoiadora do documentário. Nerie conta que quando chegou nos bastidores do movimento em 2014, logo notou que não havia registro audiovisual.

A jornalista  passou a ser procurada para entrevistas para documentários. As pessoas que se aproximavam de Nerie não faziam parte da cultura Hip Hop, outras não tinham as características das mulheres ligadas ao Rap, periféricas e pretas.

A assessora sentiu a importância de um documentário feito por uma mulher que está dentro do Hip Hop. Nerie atua no elemento conhecimento, então foi algo que ela sempre pensou em fazer: um documentário feito pela Frente Nacional das Mulheres do Hip-Hop.

“Era muito importante que uma integrante da Frente Nacional contasse isso, a única que eu acho que sempre teve todo aquele sonho e vontade…fui eu. Possivelmente…outras mulheres vão se sentir encorajadas a fazer algo semelhante, ou já estavam encorajadas e pararam em algum momento, que eu também não tenho como saber”, diz Nerie.

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Sustentabilidade e visão política

Mais ou menos de uma década para cá, cresceu a preocupação em fazer com que se ganhe dinheiro com o Hip Hop. Durante muitos anos, essa cultura foi extremamente marginalizada e, no consciente coletivo, funcionava como algo ligado ao crime. Gerações seguintes tentaram trabalhar para que essa ideia fosse desmitificada. Ganhar dinheiro fazendo rap é legítimo e justo. Entretanto, Nerie ressalta que o legado mais importante que as mulheres pioneiras do Hip Hop deixaram foi o amor que dedicaram à essa cultura urbana.

“O amor à cultura social e política do Hip Hop é o maior legado que as mulheres certamente vão deixar. É verdade: em momento nenhum se falou de dinheiro, em momento nenhum se falou do lado comercial. Ali era puramente a cultura Hip Hop, sobre seus cinco elementos, os quatro principais pilares mais o conhecimento. Algo puramente político, trazendo as questões de recortes de gênero, recorte de raça, e puramente social. Tudo o que elas fizeram ali foi pela periferia, pelas mulheres, pela população negra. Isso é o que é mais foda, diferente dos caras que têm outra percepção do Hip Hop”, conclui a jornalista.

Transformação

Discute-se muito se o Rap é de direita ou de esquerda, mas a questão é que o Hip Hop muda a vida de muitas pessoas pobres e periféricas, resgata a autoestima. A jornalista encerra a entrevista falando que as minas deixam uma mensagem: o Hip Hop é ferramenta de transformação dentro da sociedade.

“A gente precisa lembrar que o Rap ainda é uma ferramenta de transformação social. E quando a gente precisa de uma ferramenta de transformação social numa sociedade, ela não está bem, ela não está segura.”

Confira a Edição #01 da Revista Bocada Forte na íntegra. FAÇA O DOWNLOAD

 

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