Negra Jaque e o ‘Diário de Obá’

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Jaqueline Trindade Pereira, mais conhecida como Negra Jaque, é mais uma grata revelação da cena do Rio Grande do Sul. Natural do Morro da Cruz, região periférica de Porto Alegre, a MC revelou-se para o Rap em 2013, quando venceu a tradicional Batalha do Mercado. O fruto desta vitória foi o seu primeiro trampo, o EP “Sou“.

Negra Jaque. Foto: Raul Krebs

Mas a caminhada de Negra Jaque no Hip Hop não começou aí. Em 2007 ela integrava o grupo de Rap Pesadelo do Sistema, que obteve destaque no cenário gaúcho na época vencendo dois prêmios importantes: O Chance Etapa Hip Hop e o Festival Hip Hop Sul.

Além do seu trabalho como rapper, Negra Jaque é uma forte ativista dos movimentos negro e feminista. Integrante do Nação Hip Hop – entidade nacional que promove a cultura Hip Hop como movimento de rua pela paz e cidadania -, Jaque é produtora da Feira de Hip Hop, que ocorre uma vez ao mês em Porto Alegre. O evento tem como foco o fortalecimento da cultura de rua como fonte de geração de renda.

Como se não bastasse, a MC também é a idealizadora da marca Laboratório, que desenvolve produtos como camisetas, bolsas, turbantes, bottons, todos com a estética da cultura negra.

Em 2018, Negra Jaque lançou o EP Deus Que Dança(assista ao vídeo acima). O disco vem com várias participações, como Jean Brasil, Jon Boss, Proofilles (Moçambique), Mike Maidana e Saunespro.

Negra Jaque. Foto: Raul Krebs

Mirando o futuro, a MC acaba de lançar o EP Diário de Obá (Sigmund Records). O título é uma referência a deusa africana, primeira mulher de Xangô, que representa às revoltas e fortes águas dos rios. “Diário de Obá” conta com a produção musical de alunos do curso de Produção Fonográfica da faculdade Unisinos.

Aproveitando o momento, o Bocada Forte buscou a artista para uma breve entrevista, que você confere agora e, ao final, você pode escutar o EP na íntegra.

Bocada Forte (BF): Conte pra gente um pouco da sua história. Como começou a sua caminhada com o Hip Hop e o Rap? O que te atraiu?

Negra Jaque: Iniciei minha trajetória no rap com 17 anos, pesquisando sobre juventude e as suas formas de organização. Após isso, me encantei com o movimento hip hop pois ele luta por qualidade de vida de forma igualitária… E isso é uma mazela do mundo todo.

BF: A pergunta é recorrente e, infelizmente, ainda atual: você enfrentou resistência no meio do Rap por ser uma MC mulher?

Negra Jaque: Simmmm! A violência contra as mulheres está presente em tudo, violência emocional, nos desqualificando… Invisibilizando nosso trabalho, e isso foi bem difícil.

Assista ao clipe da música “Versos”

BF: Como você encara o machismo dentro do Hip Hop?

Negra Jaque: Fazendo rap, letras que rebatam o que acontecem. Me fortaleço nas mulheres ao meu entorno, elas são meu ponto de apoio.

BF: Fale sobre o seu trabalho na Nação Hip-Hop. Quais os desafios na luta pelo fim do preconceito de gênero e raça no Brasil?

Negra Jaque: A Nação é uma rede, possibilitando pensar o hip hop de forma nacional, conhecer ações, fazer parcerias e discutir nossos rumos.

Sobre os preconceitos, nosso desafio é a conscientização de que o maior problema do Brasil é a mazela estrutural deixada pelo sistema político, econômico e cultural chamado racismo.

Negra Jaque. Foto: Reprodução/Facebook da artista

BF: As batalhas de MCs são verdadeiros celeiros de novos talentos da poesia e do Rap. Você tem uma história muito bonita nas batalhas. Chegou até a vencer a Batalha do Mercado, uma das mais tradicionais de Porto Alegre. Conte pra gente sobre as experiências vividas nas batalhas.

Negra Jaque: A batalha representa o termômetro real do Rap, onde os desafios aparecerem e temos crescimento, é o berço dos MCs… As batalhas são sementes da cultura Hip Hop. Enquanto mulher é 3 vezes mais desafiador, e meu corpo presente sendo possibilidade de referência e mudança de estrutura, não é um espaço muito fácil – nas batalhas mistas ainda temos poucas representações femininas. E ainda ouvimos ofensas machistas e racistas. Eu passei por isso, mas seguimos evoluindo.

BF: O Brasil vive um momento grave envolvendo a política, justiça e o social. Nos últimos anos o povo perdeu diversos direitos, a economia segue em crise, temos um presidente com ideias fascistas e o povo das periferias segue morrendo no “tiroteio” entre o crime a a polícia. Como a Negra Jaque encara esta realidade?

Negra Jaque: Nosso papel como ativistas é sermos estimuladores de esperança, saber avaliar quem realmente está do lado da grande população, que lota as periferias, e quem tem um projeto positivo de país. Durante anos tivemos governos que tinham um projeto de país, tiveram oportunidade de fazer muitas reformas e escolheram não fazer. Hoje sofremos a consequência. Nosso papel como formadores de opinião é multiplicar que as pessoas individualmente vão mudar o dia a dia do país. Depende de representantes sim, mas se cada um de nós não fizer sua parte, nada vai mudar.

A capa de ‘Diário de Obá’. Foto: Divulgação

BF: Você lança agora seu terceiro trampo solo, chamado “Diário de Obá”. Conte para os nossos leitores sobre o conteúdo deste trabalho, o processo de criação e produção.

Negra Jaque: “Diário de Obá” fala de ancestralidade, de movimento, cores, feminismo, legado. A Obá orixá que dá nome ao disco representa força, feminino e resistência. O processo criativo foi na linha de passar uma ideia de narrativa em forma de Rap, por isso o “diário”. Contar história de outra forma. Em parceria com a Sigmund Records e seu time de produtores, o disco apresenta uma diversidade de sons que tornam o disco um trabalho complexo, que vai além da métrica clássica do Rap.

BF: Quais os desafios e objetivos da Negra Jaque como MC e ativista daqui pra frente?

Negra Jaque: Ampliar o trabalho em território nacional, continuar estudando e evoluindo com a cultura hip hop.

BF: Mande uma mensagem para as mulheres MCs espalhadas pelo Brasil.

Negra Jaque: Que as mulheres se fortaleçam, procurem pontos de apoio e sejam pontos de apoio. Busquem ser autênticas e sempre livres!

Ouça o EP “Diário de Obá”

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