Kamau: ‘Ter papo reto é usar a liberdade de expressão para algo relevante’

MC lança mais um trabalho do projeto #Avulso, que já está no quarto "episódio"

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“Em 2018, eu peguei uma sala num estúdio junto com meu sócio, Julio Mossil, para podermos fazer música focados, num espaço específico pra isso. Aí comecei a ter umas ideias e recebi esse beat do Mestre Xim, relembra Kamau.

O MC que é referência no hip hop brasileiro acaba de lançar o videoclipe da música Beat torto, papo reto (Avulso #04). O artista continua: “Tentando entender o que o beat me dizia… me veio à mente essa frase ‘Beat torto, papo reto’, que eu disse quando conheci e comecei a trampar com o [produtor] CESRV em algumas paradas.”

A partir daquele momento, Kamau resolveu chamar os rappers Zudizilla e o Nego Max que, de acordo com o artista, são MCs que o inspiraram ultimamente, com seus respectivos trabalhos. Os manos não deixaram por menos, mandaram rimas certeiras contra a falta de criatividade e a mesmice da cena. “Aí resolvi falar algumas coisas que geralmente não tenho abordado em trabalhos meus dessa forma”, conta o artista. Assim nasceu a parceria. A música ainda tem riscos do campeão DJ Erick Jay e do DJ Nyack.

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SEM USAR O FLOW DOS OUTROS

Com o time formado, single gravado. Kamau partir para a produção do clipe. Mais beat torto, mais papo reto e mais parceiros. “Eu tive uma ideia mais de estética do que de roteiro e chamei o Tiago Rocha, que trabalhou em vários vídeos do Slim Rimografia e eu curto o trampo. Aí o Slim colou junto e acabou pegando uma câmera pra registrar umas imagens de bastidores, enquanto eu e o Tiago dirigíamos. Algumas dessas imagens acabaram entrando no vídeo também”.

Gravado entre o Terminal Bandeira e a Praça da República, na região central de São Paulo,  o clipe mostra o contraste entre a parte de baixo do centro, que é modernizada, e as partes mais acima, que ainda conservam a São Paulo mais antiga.

Slim Rimografia também editou a parada. Segundo Kamau, o rapper tem uma dinâmica muito boa, por gostar do audiovisual e ter o tempo musical que o MC também tem em relação a edição em vídeo. “Por isso o Tiago deixou essa responsa com ele e nós fomos dando os toques e detalhes”.

Assista ao vídeo

SEM CURVA

Para Kamau, ter papo reto é usar a liberdade de expressão para algo relevante. É não dizer algo somente pra rimar e depois ter que se explicar. “Eu prefiro que as pessoas demorem a captar algo que rimei e depois encontre vários sentidos diferentes do que escrever algo que eu tenha que me justificar depois ou falar que era zoeira ou uma fase. A palavra tem poder.”

Em um de seus versos, Kamau marca posição na história do rap brasileiro. “Na arte de ser eu mesmo […] de 97 pra cá…”. Apesar de ser reconhecido na cena e ser respeitado por sua postura madura e serena em momentos de exibicionismo no rap, o MC reflete sobre essa tal maturidade.

“A maturidade é algo que vem pra alguns com o tempo, por mais óbvio que pareça. Mas não acho que tenho provado nada nesse sentido. Comecei a fazer rap já com 21, o que é considerado tardio, principalmente nos dias atuais. Nessa idade a gente tem uma noção melhor do que quer para continuidade. Mas nem por isso sabe exatamente o que fazer”, reflete.

Os raps de Kamau falam sobre seus conflitos, dúvidas e certezas. Essa opção por falar apenas de si sem colocar um uniforme de super-herói é um dos motivos que, para muitos, o tornam referência no hip hop. O MC pondera:

“Não me vejo necessariamente como referência, mas algumas pessoas próximas tem me chamado atenção pra isso. Eu agradeço e sigo fazendo o que acho pertinente. Falo em primeira pessoa por ter uma experiência ‘melhor’ comigo mesmo. Não sou de apontar dedos e dar orelhada em ninguém aleatoriamente. E assim as pessoas se identificam com alguma parte do que digo e levam pra si.”

“Beat torto, papo reto”, tem linhas ácidas contra os racistas e avisa: “É só respeitar a origem, não mexe com o que é da gente”. Ao falar sobre a caminhada da arte negra e dos artistas negros, Kamau sabe que a palavra origem é viva, atual.

“Sem alicerce um prédio não se sustenta. Então acho importante reforçar o alicerce sempre. Pra mim o futuro vem disso. Não arrastar o passado ou ficar preso no tempo. Mas usar de maneiras melhores a palavra referência!”

TEMPOS DIFÍCEIS

Em meio à crise que estamos vivendo agora, na economia e na saúde pública, com a pandemia do Coronavírus, o que mais preocupa O MC? Sairemos mais conscientes de tudo isso?

Kamau diz que não há como saber. “Procuram culpados imediatos sem muito conhecimento. Talvez para aliviar culpas próprias. Alguns vão sair melhores disso. E pode ser que esses que sairão melhores não estejam do nosso lado. Temos que estar preparados. A continuidade me preocupa. Do mundo que vamos deixar pros filhos e dos filhos que alguns deixarão pro mundo.”

Ouça a música

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