A frase, que soa como grito de guerra aos corações sedentos de arte, acompanha Sérgio Vaz há oito anos. “É a minha saudação periférica”, diz. É com ela, que todas as quartas feiras, ele dá o tom a mais um Sarau da Cooperifa: reunião que brinda a periferia com poesia, no extremo sul de São Paulo, no Bar do Zé Batidão.
A saudação “povo lindo, povo inteligente, é tudo nosso!”, que abre os saraus e diversos textos do poeta Sérgio Vaz, motivou talentos por todo o país, tanto que outros encontros poéticos, como o Sarau do Bezerra, em Porto Alegre, e o Coletivoz, em Belo Horizonte, são realizados no mesmo dia e no mesmo horário em que acontece o da Cooperifa. Dá pra arriscar que foi esta saudação, que como um mantra, despertou a criatividade e resgatou a auto estima de um povo desde sempre lindo e inteligente, mas que precisava de alguém que lhes mostrasse o potencial. E foi o que Vaz fez; segurou o espelho e a periferia se viu: linda, inteligente, repleta de talentos e conteúdo.
“É necessário o coração em chamas para manter o sonhos aquecidos”, uma programação especial, recheada de arte, cultura, informação, amor, respeito, luta, união e força, foi preparada pela equipe da Cooperifa.
A II Mostra Cultural da Cooperifa trará uma semana inteira de atividades gratuitas. Do dia 19 ao dia 25 de outubro, diversos eventos envolvendo dança, literatura, cinema, teatro, artes-plásticas e música irão movimentar a zona da sul de São Paulo.
Estão programados debates sobre literatura com Marcelino Freire, Xico Sá, Ferréz, Sacolinha, Heloisa Buarque de Hollanda, Écio Salles, Chacal, Sérgio Vaz, Alessandro Buzo, Nelson Maca, entre vários outros convidados; o já tradicional Cinema na Laje, que contará com a exibição do filme ‘Profissão MC’, que marca a estréia do também escritor Alessandro Buzo no cinema e debates sobre ativismo cultural, Lei Rouanet e diversos outros temas ligados à cultura, arte e periferia.
Pra completar, uma feira de livros e um grande encontro dos saraus (Sarau da Cooperifa, do Binho, Elo da Corrente, da Brasa, da Ademar, do Povo, Sarau Rap e Rascunhos Poéticos) foi organizado e irá rolar no dia 24, no Céu Campo Limpo. No encerramento, dia 25, GOG estará presente num show que acontece na Casa Popular de Cultura, no M´Boi Mirim.
Ao povo o que é do povo
Há quase uma década, centenas de pessoas vindas de todos os cantos de São Paulo se aconchegam nas mesas do boteco para celebrar a arte. Com o microfone em mãos, das 20h às 24h, a periferia toma de assalto a literatura. Em silêncio e sob os olhos e ouvidos atentos do poeta periférico – que vendeu 7 mil livros de mão em mão, mobilizou talentos, criou a Semana de Arte Moderna – ´Manifesto Antropofágico da Periferia´ 85 anos depois da Semana de Arte Moderna de 1922 de Osvald de Andrade, entre tantas outras contribuições para a arte -, o povo lindo faz, cria, escreve e celebra a história.
GOG, o “amante das causas e canções”, como ele mesmo assina a resposta, considera a Cooperifa o maior acontecimento da década. Num depoimento por e-mail, entre um show e outro, o poeta do Rap descreve o fenômeno das letras periféricas, que nasceu com os saraus realizados pela Cooperifa, como uma pororoca literária. “Ela impulsiona a literatura periférica, divergente, antes quase inexistente e desarticulada, a um patamar de supra-sumo e de importância essencial para a oxigenação do Hip Hop brasileiro, do povo negro e pobre. E sabe qual é esse oxigênio? Auto-estima. Mais uma vez estamos transformando nosso habitat e contribuindo coletivamente. Sonhar com as mãos e a mente, é o lema.
O que dizer do Sarau? Dos senhores e senhoras, jovens, adolescentes, recém chegados do trabalho, da escola, ou qualquer outro afazer, recitando seus versos no Bar do Zé Batidão no extremo sul de São Paulo? Dos filmes, livros, DVDs lançados? Do vai e vem de personalidades de todas as classes sociais, deslocando do-se centro, do outro extremo, e de seus paradigmas, pra subir o morro, no Piraporinha?
Pois é, esse fenômeno é a “pororoca literária”, esse grande encontro de classes sociais, poetas, músicos, boêmios, transeuntes, é de uma riqueza imensurável e indescritível. Eu particularmente, só tenho a agradecer. Me sinto muito orgulhoso em ter visto a Cooperifa nascer, crescer e ter sempre acreditado na força que ela emana”.
E a Cooperifa não pára na força dos saraus que oxigenam o Hip Hop de auto estima, como descreve GOG. Publicações e prêmios e vários eventos ligados a literatura fazem parte das atividades: o “Poesia no ar” quando os poemas são soltos em bexigas, o “Ajoelhaço” quando os poetas e convidados ajoelham-se e pedem perdão para as mulheres, a “Chuva de livros” quando presenteia a comunidade com livros (neste ano foram 600), o “sarau da Cooperifa nas escolas” da região, o “Cinema na laje”, saraus em praças, favelas, presídios, Fundação CASA, lançamentos de livros e discos de poesia e de poetas. Tem ainda as edições do Sarau Rap, que há dois anos em parceria com o projeto Ação Educativa, reúne os rimadores na última quinta feira do mês na Consoloção, e várias outras atividades, que direta ou indiretamente modificaram o pensamento sobre a literatura, a música, a arte, a luta, a cultura, a resistência…
E o melhor: “é tudo nosso”.