Opinião: Pelo rap ou pelo hype? | Por Maurício Morriz

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POR MAURÍCIO MORRIZ*

“Se pareço redundante é que a raiz permanece profunda
E não foi profanada, hype não prova nada”

Escrevi esses versos outro dia depois de umas reflexões que me levaram a outras que agora trago aqui. Tenho 26 anos, e, ao contrário do que os mais novos falam, sei que não sou nenhum velho. No entanto, como aprendi a gostar de rap dentro de casa com meu pai, já deve fazer quase uns vinte anos que acompanho a chamada “cena” e desde então pude ver tudo quanto é tipo de som sendo feito: de protesto, de amor, de zoeira, de autoafirmação do povo preto, enfim, temáticas estas que não deixaram de existir, talvez tenham mudado a forma de se manifestar, mas ainda estão aí, seja em maior ou menor escala. Porém, recentemente surgiu uma palavra nova dentro do rap e que se torna fruto de questionamentos sobre o quanto isso é benéfico ou prejudicial para a cultura: o hype.

Creio que o termo que acabei de citar já existe há um tempo, mais precisamente desde que a Internet deu uma democratizada no acesso aos conteúdos, no entanto, dentro do rap vejo que essa história tomou uma proporção um pouco maior após o caso “Sulicídio” [música da dupla Baco & Diomedes Chinaski]. Mas esse episódio está longe de ser o único culpado. Voltemos um pouco no tempo para tentar enxergar o caminho que as coisas seguiram até chegar onde estão. Por volta de 2009, víamos surgir aqui no Brasil uma onda de super popularização das batalhas de MCs (que de fato não era nenhuma novidade dentro da cultura hip hop, mas aqui no nosso país sempre foi algo meio invisibilizado), e, com elas surgiram alguns nomes que, independente de gosto de cada um, foram relevantes para o rap como um todo, tais como os conhecidos como os Três Temores, Emicida, Projota e Rashid. E é aí que você deve estar se perguntando: “Beleza Morriz, mas o que essas paradas que aconteceram lá em 2009 têm a ver com Sulicídio e tudo que estamos vivenciando hoje?”, e, obviamente eu te respondo: tudo. Vamos as explicações.

O primeiro ponto que fizeram deste momento que aconteceu há quase dez anos atrás um ponto chave para a situação atual do rap foi a receptividade a públicos que vinham de outros estilos musicais, a maioria destes sendo adolescentes ou pré-adolescentes. Porque convenhamos, é muito mais amistoso para quem nunca vivenciou o rap acompanhar uma batalha despretensiosa onde basicamente temos um MC zoando o outro do que ouvir o tradicional gangsta rap nacional, que, além de colocar o dedo em feridas que boa parte desse “novo público” não queria e/ou não conseguia parar pra pensar sobre, ainda por muitas vezes jorrava sangue e violência em suas letras. Só lembrando que não estou tentando atribuir aqui nenhum juízo do que é bom ou ruim, certo ou errado, apenas estou ilustrando uma situação num contexto específico.

Os Três Temores, Projota, Emicida e Rashid. Foto: Facebook do grupo

Continuemos. Surge então nesse cenário o MC que faz seu nome em batalha e depois usa isso como alicerce de sua carreira no rap. Uma estratégia inteligente, mesmo que feita às vezes de forma inconsciente. E é aí que temos a raiz do nosso problema atual, mas não necessariamente ele em sua plena forma. Eu explico. Peguemos como exemplo o som dos três que citei acima: Emicida, Projota e Rashid. Considerando o que esses MCs faziam lá em 2009, ainda podíamos ver uma preocupação com os preceitos básicos do rap, como preocupação em trazer boas construções poéticas e conteúdos relevantes em suas letras, ainda que numa roupagem diferente da que o gangsta tradicional estava acostumado a fazer.

Isso tudo naquele momento ainda era algo positivo, pois fez com que pessoas que erroneamente viam o rap como “música de bandido” tivesse um olhar mais amigável em relação a ele, o que consequentemente fez a mensagem chegar em mais pessoas. Até aqui tudo bem, só que após a ascensão de vários desses MCs de batalha ao posto de nomes mais relevantes do rap nacional, tivemos uma enxurrada de batalhas surgindo nos quatro cantos do país, o que por um lado é positivo, pois o movimento se tornava mais democratizado, porém como tudo que se aumenta a quantidade, também tivemos a qualidade sendo colocada em xeque, e, como a essas alturas boa parte do nicho específico do público das batalhas tinha começado por lá, tendo elas como a principal referência do que é rap, o nível de exigência em relação ao que era produzido começou gradativamente a ficar mais baixo, até chegarmos no que vemos se alastrar Internet afora toda vez que surge mais um lançamento: rimas de qualidade mediana sendo elevadas pelo público ao status de “foda”.

Agora, é aqui que novamente você deva estar questionando: “Então o que ‘Sulicídio’ tem a ver com tudo isso?”. Diretamente não muito, mas indiretamente foi algo importante no processo. É sabido por todos nós que fazer diss não é algo novo no rap, muito pelo contrário. Também sabemos que “Sulicídio” teve sim sua importância positiva no cenário do rap, ao reivindicar com razão a centralização dos holofotes em relação ao que é produzido no sudeste do país. Porém, analisemos o público que massivamente tomou conta de uma parcela significativa de quem consome rap aqui no Brasil: boa parte deste é oriunda de todo esse processo que descrevi até aqui, são esses que certeiramente fora definidos por Baco como os “que amam MCs e não o hip hop”. Aliás, muitos desses acham que hip hop e rap são estilos musicais diferentes e/ou nem sabem o que é hip hop de fato, mas isso é assunto pra outra hora.

Maurício Morriz. Foto: Facebook

Prossigamos no raciocínio. Aliando estes fatores mencionados, tínhamos tudo pronto para eclodir a situação que vivemos atualmente, pois alguns dos MCs/rappers atacados na faixa em questão carregam uma legião de fãs digna de dar inveja em qualquer boyband dos anos 90 e nitidamente é a parcela do público que é fã do artista e não do gênero musical ou dos seus ideais. Logo, esse cara que foi atacado, imbuído da sensação de dever em não sair por baixo da treta e não se queimar com seu público, decide responder o que foi dito se auto-elogiando e tentando mostrar nas suas linhas o quanto é foda.

Sabemos que respostas à diss e braggadocios também não são novidades, mas quando tudo isso se dá abrangendo regiões inteiras de um país, a coisa toma outra proporção. Resultado: mais de um ano depois do ocorrido, a treta em si praticamente se dissipou, porém ainda vivemos os resquícios dela, como uma região que convive com a radioatividade de uma bomba atômica. Pois temos MCs que assimilaram que exaltar suas qualidades, que muitas vezes são de fato mais abstratas do que concretas, ou o quanto tão ganhando dinheiro, são saídas fáceis para mascarar a falta de conteúdo que eles próprios apresentam, e isso se encaixa perfeitamente no que anseia um público que cresceu e se acostumou achando que o rap é uma grande batalha de MCs, ao mesmo tempo que são desprovidos de qualquer tipo de ideologia ou preocupação social. Ah! E a síndrome de vira-lata, que sempre fez parte do nosso cotidiano, também influencia nisso tudo, afinal se os gringos tão fazendo assim por que não fazer igual?

Como já rimado sabiamente pelo Rashid há um tempo atrás, ainda vivemos “um tempo onde as bases falam mais que os MCs”. Pois a qualidade técnica da produção melhorou drasticamente, porém o inverso pode se ver na maioria das letras. Não tenho em nenhum momento a intensão de pagar de moralista e vir com aqueles papos que o que tinha antigamente era melhor, mas não posso negar que tudo isso me incomoda, seja enquanto quem faz ou consome rap. E é aí que me encontro dividido sobre o que pensar, porque entendo que como já dito pelo Eduardo Taddeo, o rap é só um estilo musical, e cada um o faz com quiser porque como qualquer tipo de arte ele também é livre.

No entanto, parte de mim não consegue digerir essa nova onda de rap descartável, feito nitidamente para ser um produto gerador de likes, views e consequentemente grana; vide 1Kilo e os projetos da Pinneapple. Fico me questionando se foi pra isso que o rap foi feito, e é aí que me vem à luz os sutis detalhes que o fazem ter suas particularidades em relação à cultura hip hop, pois a maioria hoje em dia pode até ser do rap, mas não é nem de longe do hip hop, mas como já disse, isso é um assunto para outra hora. Como dito por Don L: “’Cê’ fez uma grana e não trouxe ninguém, não fala que é hip hop”. Mas e você, tá pelo hype ou pelo rap? E o que pensa disso tudo? Acho que sempre vale a reflexão, afinal de contas, toda verdade absoluta é uma fraude.

*Maurício Morriz é fazedor
de rap, beatmaker e
esporadicamente poeta.

 

 

1 comentário

  1. Curto rock e foi pela internet que mudei minha visão sobre o Rap e passei a ouvir.
    Não foi Emicida, Projota ou Rashid que me aproximaram da cultura Hip Hop.
    Tem muita gente rasa e que vai pelo modismo, mas muita gente chegou ao Rap pelo Hype.
    Sim, o Hype leva ao Rap.

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