POR GILBERTO YOSHINAGA (GILPONÊS)*
Um poderoso vírus tem se proliferado pela internet nos últimos anos e, aparentemente, ele parece multiplicar-se de forma cada vez mais veloz e voraz. Assim como o vírus da gripe, mas com consequências muito mais graves (e irreversíveis em grande parte dos casos), esse vírus vive em constante mutação e ataca internautas com distintas formas e efeitos. E não há nenhum software que consiga detectá-lo, filtrá-lo ou impedi-lo de chegar a qualquer computador ou smartphone.
Aliás, o ponto mais preocupante do tal vírus é o fato de ele não atacar os computadores, e sim seus usuários. As máquinas são apenas um meio que ele utiliza para capturar suas “presas”, sobretudo por meio das chamadas redes sociais. E o grande poder desse vírus é que, quando infecta uma pessoa, faz com que ela própria passe a multiplicá-lo e a promover sua proliferação na internet.
Os efeitos colaterais também são assustadores e diversos. Em alguns casos, a pessoa infectada começa a ter seu cérebro atrofiado por desinformações, boatos e distorções da realidade. As vítimas mais graves desse tipo de vírus passam a repetir os discursos de seus próprios opressores e a agir em favor dos mesmos, como os pobres que votam na direita ou os jovens negros de periferia que querem ver Bolsonaro na presidência da República. Como um exemplo que li na própria internet, é algo como um ‘complexo de frango da Sadia’, em alusão à ave feliz por promover e exaltar a empresa que… mata aves.
Muitos infectados da versão disseminadora de ignorância desse vírus acreditam que o PT inventou a corrupção no Brasil; bateram panela para apoiar um golpe político ‘contra a corrupção’, mesmo trajados com uma camisa da CBF; papagaiam o mantra de que ‘bandido bom é bandido morto’, sem questionar as estruturas sociais do país nem o conceito de ‘bandido’ quando o mesmo usa a caneta como arma e se traveste com paletó e gravata; republicam postagens mentirosas sobre “bolsa-crack” ou “bolsa-presídio”, ou a falsa capa da ‘Forbes’ que afirma que Lula é bilionário e dono dessa ou daquela megaempresas; aplaudem quando o cinza das fardas agride professores ou estudantes que reivindicam melhorias na Educação; defendem que a tinta igualmente cinza tente calar a voz colorida da arte oriunda dos sprays; e utilizam a revista ‘Veja’, a Rede Globo e outros veículos de comunicação marrons como suas bases de “informação”.
Sobre essa última observação, aliás, vale lembrar uma frase de Malcolm X: “Se você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas e amar as pessoas que estão oprimindo”.
Uma versão ainda mais destruidora do tal vírus transforma seres humanos em monstros. É a versão disseminadora de ódio gratuito. Ela amplifica os efeitos dos preconceitos; promove a generalização da burrice e a banalização da inteligência; faz médicos transformarem o Juramento de Hipócrates em Juramento de Hipócritas; vê pretensos ‘cidadãos de bem’ promoverem vigília em frente a um hospital para desejar a morte de um ser humano (ou celebrar e tripudiar quando tal morte acontece); incute na cabeça das pessoas que um simples suspeito de furto precisa ser amarrado a um poste e linchado sem provas nem julgamento; faz a bandeira do Japão virar “símbolo do plano de dominação do comunismo” ou uma simples camiseta vermelha ser interpretada como se fosse um cartaz de “Venha me agredir mesmo sem ao menos me conhecer”; transforma policiais e o Eike Batista em companhias desejáveis para selfies; ou faz uma população inteira aceitar que um secretário nacional deseje que haja mais chacinas em presídios e nada aconteça a ele.
A cultura ainda é um dos meios mais eficazes para tentarmos combater esse vírus. O problema é quando os próprios agentes culturais se prestam a espalhá-lo. Se não existe antivírus capaz de exterminá-lo, não há motivos para desistirmos de combatê-lo. Se cada um ao menos tentar fazer sua parte, esse vírus propagador de ignorância e ódio ainda pode ser barrado. Você pode começar a fazer a sua, repassando tais informações para seus familiares e amigos. Ou pode simplesmente cruzar os braços enquanto assiste às pessoas ao seu redor sendo infectadas e achar que não é com você…
escritor, produtor cultural e colaborador do
portal Bocada Forte. Um dos fundadores do
coletivo/selo Shuriken e autor dos livros
“Nelson Triunfo: Do Sertão ao Hip-Hop” (2014),
“Thaíde: 30 Anos Mandando a Letra” (2016) e
“Thaíde: Sr. Tempo Bom” (no prelo).