#AlémdeMarço | A ancestralidade contada nas tranças de Helo Class

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Helo Class

“Tenho minha mãe como referência. Ela trançava o cabelo das minhas tias. Na época do black power [anos 1970], meus tios usavam tranças para ir para o trabalho durante a semana, quando o patrão deixava”, relembra Heloísa, mãe negra, poetiza e empreendedora social que  reside no bairro do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

Conhecida entre os artistas e produtores culturais como Helo Class, a trancista tem a dona Maria José Trindade Anselmo, sua falecida mãe, como maior referência na arte e no trabalho ancestral que envolve tranças e a vivência das mulheres negras.

Outra influência no trançado é Amanda Negrasim, rapper e atriz que lançou recentemente o álbum ‘Afroqueen Sounds’.

A trancista e poetiza Helo Class.(Foto: Zungueira Produções)

“Eu já acompanhava o trabalho dela pelas redes sociais, mas a conheci pessoalmente há uns cinco anos. Com o passar do tempo, comecei a admirá-la mais ainda pelo ser humano que ela é”, conta Helo.

Membro de uma família mineira que veio morar em São Paulo, Class recorda a luta de seus pais e tias para tentar ganhar a vida na capital. Nascida em SP, Helo Class aprendeu desde cedo a importância histórica das tranças na comunidade negra.

“Minha mãe sentava e me colocava entre as pernas dela. Ali ela falava da ancestralidade, a razão das tranças”, relembra. 

Ao ouvir as histórias de dona Maria, a trancista passou a entender que a relação entre as mãos negras que tocavam seus cabelos e os moldavam com maestria ia além da estética, além da beleza.

“Minha mãe contava que minha avó, quando ia trançar o cabelo dela, explicava que minha bisavó, para fugir do engenho, fazia os caminhos, as rotas de fuga nas tranças. Isso ficou gravado na minha cabeça. Eu tinha nove anos quando fiquei sabendo das histórias da minha avó e da mãe da minha avó. As tranças são lindas, mas antes de serem lindas, elas são históricas. Elas têm uma importância muito grande na vida da mulher preta e do homem preto.”

A importância que a trança tem na cultura negra conectou os trabalhos de Helo Class e Amanda Negrasim em 2019, quando o projeto Trancado Periférico, Mulher Negra Cultura Criativa foi contemplado na quarta edição do Edital Fomento à Cultura da Periferia.

Os cursos, lives, shows e desfiles do Trançado Periférico ligaram a ancestralidade negra ao empreendedorismo das mulheres que vivem nos bairros mais afastados do centro da capital.

“Infelizmente, na escola a gente não aprende o que é a trança, suas linhas retas, linhas mais curvas. Quando o Trançado Periférico começou, a gente conversou muitas vezes sobre a importância de passar esse conhecimento para as meninas mais jovens. Muitas delas não têm mãe ou são filhas de pais que, infelizmente, não tiveram forças e acabaram entrando no mundo das drogas e no mundo do crime”, diz a trancista.

Conhecendo a dura realidade econômica das moradoras da periferia, as educadoras do projeto, além de debater e contar a história de luta e religiosidade das mulheres que vieram antes delas no trançado, também mostraram as possibilidades de geração de renda.

Confira uma das poesias que Helo publica em seu canal

“É gratificante poder falar para as meninas: olha essa trança que você está aprendendo. Você vai investir cinco reais para comprar um novelo de lã, mas vão voltar cinquenta reais para o seu bolso, que é o preço mínimo que você vai cobrar. Só que você entenda que não é só o dinheiro, é a valorização que você tem que dar para o seu trabalho. Cada cliente é uma entidade, você precisa pedir licença para tocar em sua cabeça, pedir licença para quem está regendo aquela pessoa, pedir licença para os seus ancestrais”, conclui Helo Class.

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A poetiza afirma que passou todo o seu conhecimento acumulado durante sua vida entre tranças e relações sociais também para mulheres de 20 a 60 anos.

Fazendo tranças desde os 12 anos, Helo afirma que, conhecendo outras formas de trabalho, outros lugares e outras vivências, aprendeu a se posicionar e a se enxergar como empreendedora.

Com o final do projeto, a trancista ainda fez cursos pelo Sebrae. Atualmente, Helo luta para melhorar suas condições de trabalho num mercado competitivo, mas acredita que vai superar as adversidades, mesmo vivendo num país racista, onde a maioria não se importa com a cultura negra. 

“A gente nunca sabe o suficiente. Eu aprendi muito com as mulheres do Trançado Periférico. Algumas delas atravessaram a cidade para frequentar algum curso ou evento. Essa experiência abriu minha mente para aprender mais, estudar mais, buscar alternativas”, conclui.

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Confira algumas fotos de uma das edições

3 COMENTÁRIOS

  1. Fantástica a matéria… quem conhece o trabalho da Helô sabe a força que essa Rainha tem.. muito asè Pra Helô Class <3

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