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Batalhas | É na Encruzilhada que as quebradas se cruzam

Mais uma Batalha mapeada e agora é a vez da zona norte de São Paulo, onde está localizada a Batalha da Encruzilhada. Esse nome se deve ao fato da Praça 7 Jovens, local onde a Batalha acontece quinzenalmente às quintas-feiras a noite, estar na divisa entre os bairros Jardim Elisa Maria e Jardim Peri Alto. Para quem não sabe nada sobre essa região, em uma rápida olhada no mapa vai perceber que na encruzilhada onde as quebradas se encontram, também acontece o encontro de lideranças revolucionárias – Steve Biko, Carlos Lamarca e Pedro Pomar são alguns dos nomes de ruas ao redor da praça. Respectivamente, o ativista anti-apartheid da África do Sul na década de 1960 e 1970, o guerrilheiro brasileiro, um dos líderes da luta armada contra a ditadura militar instaurada no país em 1964 e o fundador do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Muitos outros nomes de lideranças históricas estão espalhados pela região, nomes que foram dados na gestão da Prefeita Luiza Erundina (1989 a 1993). A Praça 7 Jovens traz esse nome por conta de um episódio violento que aconteceu na região em 2007, quando 7 jovens foram assassinados – Rafael Araújo e Silva (24 anos), Flávio Batista de Almeida (23 anos), Rodolfo Madeira Cunha (19 anos), Pamella Pontes Ribeiro (18 anos), Paulo Henrique Glinglani Pedro (20 anos), Caroline da Silva Borges (22 anos) e Anderson Vander Gomes (26 anos). No mesmo ano novamente aconteceu uma tragédia com 7 jovens, 6 foram mortos e outros casos semelhantes infelizmente aconteceram na mesma região.

Em algumas respostas dessa entrevista vocês irão perceber que nada é por acaso, pois a Batalha da Encruzilhada tem muitas atitudes e práticas que no mundo que vivemos hoje também são consideradas revolucionárias. Com 4 pessoas na organização (Marcela Trava, Cá Mendonça, Quixote e Mlk de Mel), as quais vocês saberão mais abaixo, elas, eles e elus acolhem toda diversidade e inclusão, sem preconceitos. Essa é mais uma das Batalhas que vai além da rima de improviso, é diversão, é ocupação do espaço público, é ressignificação do território e acima de tudo é uma atuação política e revolucionária.

Fotos enviadas pela organização da Batalha
Texto e entrevista por Jaime Diko Lope e Gil BF

Bocada Forte: Se apresentem e informem quem são os criadores e responsáveis pela Batalha?
Batalha da Encruzilhada: A organização da batalha é composta atualmente por 4 pessoas: Marcela Trava, Cá Mendonça, Quixote e Mlk de Mel.

Marcela Trava é travesti, psicóloga, artista, de Ọ̀ṣọ́ọ̀sì e trabalhadora do SUAS, atendendo a população em situação de rua na ZN. Autora de Ritmo da Margem (Ed. Gráfica Heliópolis) e do EP Transtopia (Casa 56). MC solo e no grupo Cereguaya. Uma das organizadoras da Batalha da Encruzilhada.

Quixote é um multi instrumentista PCD, produtor musical, compositor e artista de rua. Nascido no Espírito Santo, desenvolve sua musicalidade desde 2012. Está em São Paulo há 7 anos se apresentando pelas praças, saraus, slams e movimentos culturais da quebrada. Além disso, ele é um dos criadores do Coletivo Casa 56 e também participa da organização da Batalha da Encruzilhada, onde é DJ.

Cá Mendonça é poeta, bailarine, cantor, compositor, produtore de eventos formado pela FMU, bolsista 100% ProUni, é co-fundadore e produção executiva/artística da Casa 56, também atua como produtor executivo e apresentador da Batalha da Encruzilhada.

Mlk de Mel é boyceta, MC, produtor cultural, arte-educador e multi-artista. Faz parte da dupla de Rap e funk PAMKA, da Casa de Mutatis e é um dos idealizadores e organizadores da Batalha da Encruzilhada. Acredita na arte como ferramenta de educação, transformação social e autoconhecimento. Autor dos singles “Slipknot”, “Eu não vou te Iludir”, “Cabelim de Gel” e “Tô Legal”, também participa da faixa “Jog4” na mixtape “MAVAMBA” da MC Xuxu e das faixas “Na Ladeira da Vida” e “Na Boca do Caos” da MC Lili Black.

BF: Como começou a batalha e qual foi a motivação inicial?
BDE: Montamos a batalha no intuito de ser um movimento cultural na encruzilhada entre as nossas quebradas (Jd. Elisa Maria e Jd. Peri Alto) em que fosse bastante explícito o posicionamento em relação ao combate de preconceitos na batalha, como a transfobia, capacitismo e racismo, que muitas vezes é relevado no cenário das batalhas. Ao mesmo tempo ser um espaço de lazer pra nossa própria quebrada, mas também de trabalho, em que fosse possível artistas independentes exporem suas artes, seja no artesanato, como MCs ou como qualquer outra forma.

BF: Qual a frequência da batalha dia, hora e local?
BDE: A batalha é quinzenal, nas quintas-feiras, às 19h30 na Praça 7 Jovens, também conhecida como Pastão, no Jardim Elisa Maria. Mas tem também as edições especiais.

BF: No local ou nos locais onde vocês fazem a Batalha, vocês enfrentam algum tipo de repressão ou reclamação da vizinhança?
BDE: Já tivemos problemas, mas esse tipo de B.O. é melhor deixar no off.

BF: Quais são os principais desafios que a Batalha enfrenta na organização?
BDE: São tantos desafios que é até difícil pontuar. Começa com a vida pessoal de cada pessoa da organização, ainda mais se tratando de pessoas com recortes bastante marginalizados e com recurso financeiro bastante escasso, aí é um efeito dominó. Falta de tempo, falta de dinheiro, esgotamento por excesso de trabalho, etc. Além disso tem as questões práticas de contratação, questões interpessoais com artistas, várias fita.

BF: Como vocês selecionam os participantes?
BDE: Em geral é pela ordem de chegada quando abre as inscrições na batalha. Quando é uma questão de contratação de algum equipamento cultural costuma variar o critério, mas nada fixo.

BF: Quais critérios vocês utilizam para julgar as performances dos MCs durante as batalhas?
BDE: O critério costuma ser o que bater no coração da plateia, aí ganha pra quem o público fez mais barulho. Mas temos regras bastantes definidas: perde o round quem cometer qualquer forma de preconceito, caso cite terceiros de maneira pejorativa ou fale palavrão.

BF: Qual é o papel da improvisação nas batalhas e como vocês incentivam os participantes a desenvolverem suas habilidades nesse aspecto?
BDE: Damos bastante atenção pra MCs crianças e adolescentes. Incentivamos bastante as pessoas que querem começar a rimar ou que nunca pensaram em rimar na vida e querem tentar a primeira vez. Estimulamos as pessoas a apresentarem alguma coisa pelo menos no momento do microfone aberto, pra que solte alguma emoção que está presa. Além disso, ficamos felizes quando vemos MCs que já são frequentes e que consideram a Encruzilhada sua casa, ver o progresso é lindo. Costumamos também ter premiações que chamam a atenção, que artistas que já colam na batalha doam pra quem ganhar, pra além da folhinha da Marcela Trava que costuma fazer folhinhas bastante trabalhadas, o que estimula a vontade de ganhar.

BF: Como vocês garantem um ambiente seguro e respeitoso durante as batalhas, especialmente considerando a natureza competitiva do evento?
BDE: A organização da batalha é formada em sua maioria por pessoas trans, tem PCD, tem pessoas racializadas e carregamos tanto no nome da batalha quanto nas práticas pessoais manifestações principalmente do candomblé e da quimbanda e militamos por todos esses recortes. Então já por princípio temos uma visão bastante política, mas que ao mesmo tempo, não promovemos “cancelamentos”.

BF: Quais são os momentos mais memoráveis ou emocionantes que aconteceram durante a batalha de vocês?
BDE: Toda edição é emocionante, é tanta coisa que não cabe em uma entrevista, só estando lá pra saber.

BF: A Batalha de vocês tem algum envolvimento com os outros elementos da Cultura Hip-Hop?
BDE: A gente busca sempre falar sobre a importância de DJ, o trampo das artes visuais, chamando artistas pra fazer live painting, falamos pro público valorizar a arte que artistas expõem ali durante a batalha. O único elemento que às vezes ficamos mais distantes é a dança.

BF: Qual a relação de vocês com as Batalhas em SP e até mesmo fora do estado?
BDE: Temos bastante relação com as batalhas da Zona Norte, principalmente com a Batalha do Suco, mas são tantas que se formos começar a citar e esquecermos de uma pode ficar chato, mas resumindo, na Zona Norte temos bastante conexão, mas poucas com outras zonas de SP e fora da cidade.

BF: Quais são os planos futuros de vocês?
BDE: Temos algumas coisas em mente, mas é segredo, só acompanhando pra saber.

BF: Qual o diferencial da Batalha de vocês? Há alguma inovação ou mudança que vcs fazem
BDE: Acreditamos que quanto mais batalha melhor, costumamos dizer que o ideal seria uma batalha por esquina. Mas ao mesmo tempo, acreditamos que todos os critérios e regras que colocamos tem um sentido político importante, como por exemplo o enfoque que damos na regra anti-capacista, que é bastante naturalizado mesmo em outras batalhas que também tem um enfoque político. Ter pessoas trans na organização também é um diferencial, já que é bastante incomum no cenário das batalhas em SP.

BF: Qual conselho vocês dariam para aqueles que desejam entrar no mundo das batalhas de MC, seja como participante ou organizador?
BDE: Conselho é uma coisa que costuma não fazer muito efeito, mas já que é pra dar um: primeiro vá pra batalha pra ouvir e se emocionar. As pessoas rimam com emoção, então pra começar, aproveite o momento, aprecie a arte das outras pessoas. Depois vá sentindo em você o que você quer por pra fora. Aí, quando se sentir à vontade, se inscreve pra batalhar sem pensar muito, mesmo que “rime mal” ninguém vai lembrar depois, vale a pena tentar, não vai machucar.

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