Memória BF: Slim Rimografia, 10 anos atrás

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Foto: acervo do artista no Facebook.

POR GIL SOUZA
Diagramação: Noise D
*Entrevista publicada originalmente no dia 25/9/2006.

Cada vez mais a música feita de sentimentos verdadeiros se distancia dos padrões e da lógica do mercado fonográfico. Basta ver a quantidade de selos criados pelos próprios artistas, que além de produzirem os próprios discos, fazem a distribuição, disponibilizam as músicas na internet, fecham os shows e seguem contrariando estatísticas e vivendo da sua arte, sem que nenhuma “sanguessuga” se aproveite. No rap, isso tem sido cada vez mais freqüente, já faz alguns anos que as coisas vem funcionando assim, mas nesse ano parece ter ficado mais forte essa movimentação independente. SLIM RIMOGRAFIA é um grande exemplo dessa atitude, do “faça você mesmo”, não apenas por cuidar de tudo que se refere ao seu trabalho, mas por fazer por conta própria e não descuidar da qualidade musical.

Há pouco mais de um mês ele acaba de lançar o seu segundo álbum, intitulado “Introspectivo – Amor, Vida e Música“, bem diferente do primeiro – “Financeiramente Pobre” -, que havia sido lançado da mesma forma. Esse vem com mais qualidade no encarte, nas produções, nas letras, na mixagem e na masterização. A maior novidade, é que antes que o álbum fosse lançado, ele conseguiu lançar um vinil com algumas faixas, o que ajudou ainda mais na divulgação, pois muitos DJs tocaram as músicas nas pistas. Parte disso se deve a sua evolução como um artista profissional, mesmo que a “indústria” não o encare dessa forma. Mas a cena indie, que criou a sua própria indústria, reconhece e se alimenta de artistas como ele.

Em uma rápida entrevista, Slim falou ao site Bocada Forte sobre essa nova fase e o disco, que traz poucas participações e 18 faixas com o melhor do rap brasileiro, um rap feito em cima de pesquisa musical e não apenas rap feito de rap. Slim é um MC, que se comporta como um MC compromissado com a cultura hip hop, comprometido em transmitir ao seu público a essência da Cultura, tanto que ele tem feito seus shows acompanhado do DJ William e Thiago Beat Box, ambos com participação fundamental nos shows. Confira a entrevista:

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Foto: acervo do artista no Facebook.

Bocada Forte (BF): E aí Slim, de “Financeiramente Pobre” pra “Introspectivo”, qual foi a evolução?
Slim:
Acredito que o tempo me ajudou a amadurecer mais minha visão sobre música, esse é um disco diferente do ”Financeiramente Pobre”, pelo fato de ser mais musical, os samples usados foram selecionados a dedo, “a ouvido” e fiquei dois anos preparando esse álbum. As ideias também, os beats são diferentes um do outro, acho que essa é a evolução que percebo, coisa que o tempo nos dá de presente desde que não estacione e continue sempre fazendo música e pesquisando.

BF: No primeiro trabalho você usou muito o computador e softwares domésticos. Nesse novo disco quais os equipamentos que você usou na produção?
Slim:
Cara, esse disco é basicamente todo feito no Logic 5.5. Consegui alguns outros equipamentos, mas não usei tanto assim. Algumas coisas eu toquei no teclado, outras filtrei na SP, mas o álbum é basicamente, 90% sequenciado, gravado e editado no Logic mesmo.

BF: Você fez cursos de produção ou aprendeu tudo na raça?
Slim:
Na real estudei teoria musical e tô querendo estudar música mesmo, agora que saiu o disco. Acredito que meu contato com músicos também me ajudou muito nisso, mas na real faço tudo por intuição, algumas coisas dão certo (risos).

BF: Você se considera um produtor ou apenas alguém que faz “uns beats”?
Slim:
Eu acredito ser produtor, por que faço muito mais que cortar samples, ai as coisas mudam um pouco, penso sempre a música completa, até mesmo quando mixar a parada, que efeitos usar, etc. Uma boa mix, muda tudo mano em uma produção, ai acho que produtor é onde me encaixo melhor (risos).

BF: É evidente que esse disco está muito mais “musical” que o anterior, pelos samples usados dá pra perceber bem isso. Quais foram as suas influências na construção das bases?
Slim:
Ouvi muita música e li muito sobre essas músicas, comecei a entender o porque aquelas canções foram feitas e me apaixonei por música brasileira, pela nossa música, às vezes não lembrada, sabe? Tentei juntar os sentimentos gravados a 20, 30, 40 anos atrás, com meu sentimento agora, com a minha música e agradeço aos nossos grandes músicos que fizeram músicas que jamais conseguiram ser esquecidas, tocadas, cantadas e reutilizadas. Acho que a minha musicalidade desse álbum eu devo a todos esses grandes músicos do jazz, bossa nova, funk, soul, samba, blues, etc…

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Foto: acervo do artista no Facebook.

BF: E para as paticipações, como foram as escolhas? (participam do disco Rael da Rima e Emissário – Pentágono, Coruja, Andréia Passos, Thiago Beat Box e Jac ordeiro).

Slim: As participações também foram bem naturais, pessoas que eu já tinha um envolvimento, admiração pelo trampo e que casou a parada. Eu nunca fui de muitas participações, mas sempre tem uma galera que você curte muito mais do que os que estão ai no cd. Mas uma grande parte fizemos juntos os sons e diferente do outro álbum, nesse só o DJ Willian que riscou em todas as faixas.

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Kamau, Criolo e Slim, nas antigas.

BF: Assim como no outro trabalho, você continua demonstrando, pelo menos nas bases e nas letras, um compromisso com a Cultura hip hop e não apenas com a música rap. Valoriza o trabalho do DJ, faz música dedicada a B-Boys e Grafiteiros e você é dos poucos MCs que tem o respeito e a admiração deles. Você vê isso como uma obrigação, o papel do MC?
Slim:
Vejo assim – hip hop é o que eu sou. Acompanho a cultura, amo a cultura e comecei por amor a cultura e seus elementos. Não se pode falar de hip hop sem falar dos seus elementos, nunca encontro o hip hop em rádios, em bailes black, encontro ele na rua, nas rodas de freestyle, nas rodas de B-Boys, nas paredes coloridas com alma, no sorriso de quem sente a verdadeira energia do hip hop. É onde ele habita, nas ruas posso vê-lo quando saio de ônibus, quando converso com MCs que estão começando a rimar e não tão nem ai se tem grana, se tem máquinas fotográficas, roupas de grife e sim em se expressar, em transmitir essa energia. Não escolhi o hip hop, ele me escolheu, sei que ele me vê, sei que ele me ouve e quando vou produzir, escrever ou rimar não consigo esquecer dos DJs, MCs, Graffiteiros, B-Boys, B-Girls, Poppers e Lockers. A coisa que me deixa feliz é saber que eles acreditam no que faço e sentem essa energia também na minha música.

BF: Ainda sobre esse compromisso, você conseguiu lançar o vinil com algumas faixas, antes do CD. Foi um sonho realizado, ter a sua voz no vinil?
Slim:
Sonhei com vinil, é algo vivo que a gente pega com vontade diferente do CD, que tem vida própria, feito pra durar, quem sabe daqui 30 anos meu disco vai ta lá em um sebo, passando de mão em mão, viajando as cidades, quem sabe o mundo. O vinil é onde o hip hop surgiu, foi da onde ele começou, o CD não é uma evolução do vinil, o vinil é perfeito para DJs, para ouvintes e para mim foi um sonho, um filho. Espero poder lançar mais discos, mais músicas em vinil, para que assim também os nossos DJs tenham material pra manter viva as colagens, os scratchs a arte de discotecar, graças ao disco de vinil.

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Rashid e Slim.

BF: Porque deu esse nome ao disco?
Slim:
Na verdade uma amiga minha deu esse nome pra mim. Um dia ela me disse – “meu, você é muito ‘introspectivo’” – e sou mesmo sou muito fechado sabe? Muito analisador, quase nunca saio, tô sempre fechado, pensando na vida, na minha música e esse álbum é assim, pois fiz basicamente ele sozinho, trancado em casa, completamente.

BF: Quase ao mesmo tempo que você, vários outros grupos lançaram disco. O Simples, SP Funk, MC Ralph, Jamal, etc. Claro que alguns tem estilos bem diferentes, mas de certa forma acabam atingindo um público parecido. Você acha que hoje tem público pra todo mundo?
Slim:
Sim, quantos CDs cabem na sua prateleira? Quanto mais CDs melhor, quanto mais gente fazendo melhor! Cara, existem muitas pessoas, muitos ouvidos a serem atingidos com nossa música. Hoje podemos dizer que já existe mais opção do que escutar, em matéria de rap, antes já não era assim tão fácil. Existem festas para todos os gostos e bolsos e CDs também. O hip hop tá evoluindo e quanto mais gente fazendo trabalhos de qualidade e de verdade melhor. Muita sorte ai a todos que estão lançando os álbuns e quem não lançou, força ai não desiste não, poe na rua sem medo de ser feliz, as pessoas precisam de música.

BF: Pra você, quais têm sido as maiores dificuldades pra trabalhar com rap no Brasil
Slim:
A valorização de quem faz rap, não é fácil fazer e o Brasil tem que aprender a dar valor a ele mesmo, ajudar a cultura. Eu penso sempre – “como será que contribuo com essa cultura? E você como contribui?” – O que cada um tá fazendo para que ela cresça no brasil, se desenvolva, tenha estrutura, seja auto sustentável? Temos que repensar nossa cultura, a forma que cada um contribui seja músico ou público. É a gente que faz ela crescer, então pense, você famoso, anônimo – como você está ajudando o hip hop?

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