Contextos: Ser DJ no Brasil

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O conhecimento tão difundido como o quinto elemento do hip hop, justamente ele abre caminhos e alimenta sonhos que a realidade social teima em tentar desfazer

Por: Djneew Dê Loná

Em diversos momentos vivemos o dilema entre o que queremos e o que podemos alcançar de fato, limitados pela realidade econômica e social que nos cerca, isso é notório até mesmo dentro do próprio hip hop enquanto movimento, se olharmos o elemento DJ (dentre os quatro elementos clássicos do hip hop) como a atividade que depende de equipamentos eletrônicos.

A vontade de ser DJ surgiu semelhante a de muitos outros jovens que enxergaram no hip hop uma ferramenta de expressão e entretenimento, o que fez com que muitos iniciassem como DJ de um grupo. Mas, como diz o velho ditado ‘’DJ que é DJ tem que fazer scratch’’. Daí veio a necessidade de buscar o tão sonhado par de toca-discos.

Entretanto, o jovem DJ iniciante e, digamos,  ‘inocente’ se viu chocado com os preços de um simples par de toca-discos, não obstante ainda teria que comprar o mixer, fone, cabos, agulhas e discos, todos eles muito caros pra um jovem morador da periferia.

Constantemente vemos reportagens dizendo que boa parte da população brasileira está endividada, talvez pelo fato de uma oferta fácil de empréstimo ou financiamento de algo que sonhamos ser tentadora o suficiente para não pensarmos nas consequências futuras, foi a partir de empréstimos e ajuda financeira de integrantes do grupo que o sonho de ter um par de toca-discos foi realizado.

Com equipamento em mãos as dificuldades continuaram de outras formas. Às vezes grandes empecilhos se encontram dentro da própria cultura, quando nela mesma existem pessoas que enxergam os novos DJs como concorrentes, onde muitas delas boicotam novos nomes, onde o DJ que tocou antes desregula o aparelho de som propositalmente para que o set do próximo a tocar seja prejudicado, entre outros muitos absurdos que aconteceram e acontecem em determinados eventos. Mas uma laranja podre não significa um laranjal estragado, grandes organizadores de festas e DJs incentivaram, deram espaço, emprestaram discos e até mesmo agulhas, além de doar seu tempo para demonstrar técnicas de discotecagem.

Nos tempos do Serato, Traktor,  as dificuldades de adquirir equipamentos não mudaram, o que está causando quase uma extinção de DJs nos grupos de rap. Também pelo fato da nova geração de DJs preferir tocar em festas ao dar exclusividade ao grupo, pois a festa traz maior liberdade de escolha de repertório, espaço e maior expectativa de conseguir dinheiro pra investir no próprio equipamento. Por outro lado, muitos grupos não se preocuparem em ter o DJ, pois muitos deles necessitam apenas que alguém esteja de prontidão para mudar as bases de uma música pra outra.

Mesmo com todas dificuldades, existe interesse e procura grande nas oficinas de DJs, principalmente por parte da juventude. O DJ encontra sua liberdade na música. No seu set, passa um pouco de si mesmo para outras pessoas, é responsável direto pelo fracasso ou sucesso de uma festa.

O acesso à informação via internet e através das próprias oficinas facilitam a busca de conhecimento, afinal, o DJ não é só equipamento. Quantas pessoas conheço e conheci durante a vida que nunca tiveram uma MK II, mas tem conhecimento profundo da música, em contrapartida, vários com equipamentos de última geração e só tocam o mesmo set clichê ou fingem tocar, como temos exemplos de ‘’famosos’’ dando uma de DJ em programas de auditório com sets pré gravados.

Contudo, os anos passaram mas algumas coisas não mudaram, uma delas é o preço dos equipamentos que ainda afasta muitos novos DJs de dar seguimento ao seu sonho, principalmente os jovens da periferia que alimentam o desejo e interesse de entrar nesse ramo. Por isso não concordo com alguns comentários preconceituosos contra pessoas que usam CDjs ou até mesmo o famoso e fácil Virtual Dj, Não tenho dúvidas que os mesmos teriam um par de toca-discos se tivessem condições financeiras para tal.

Sou testemunha de amigos que economizaram meses e meses de salário pra comprar toca-discos. Os mesmos amigos que viviam sendo chamados de ‘’DJ que só sabe apertar botões’’ ou ‘’DJ Pen Drive”.

Sabendo disso, tomo mais cuidado ao criticar esse tipo de situação. Como se sentiria um garoto ou uma garota que sonha em ser DJ, mas que não tem condições financeiras para adquirir equipamentos ao ouvir esses termos pejorativos? Desmotivação, desinteresse, um sonho desfeito, talvez a certeza de menos um ou uma DJ.

Outra situação que não se alterou foi a importância do conhecimento musical e da pesquisa como diferenciais que separam o DJ de um mero tocador de músicas, o conhecimento sempre foi e sempre será primordial antes de qualquer tipo de equipamento, talvez esse seja o maior incentivo que ainda leve algumas pessoas a se interessar pela arte da discotecagem, o conhecimento tão difundido como o quinto elemento do hip hop, justamente ele abre caminhos e alimenta sonhos que a realidade social teima em tentar desfazer.

Djneew Dê Loná, 28, formando em história, integrante do projeto Rua A Dentro/Zumaluma. É DJ do grupo Dê Loná, produtor e colaborador dos blogs Macacos Me Mordam, Bocada Forte e RapLongaVida.

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