#Contextos: O time do rap não precisa de 11 Messi’s

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gjCriticar, questionar continua sendo importante, sim, mas quando é pra construir algo maior “em conjunto”

Por Guilherme Junkes*

Não concordo com o que rimas, mas defenderei até a morte o seu direito de rimá-lo”**, diria o filósofo se escutasse os RAPs que tão sendo cantados nos dias de hoje. Não que em outros momentos não tivessem sido criadas linhas como as atuais, mas as facilidades que a tecnologia permitiu as deixaram muito mais em evidência.

Hoje, todo mundo pode gravar um som. Todo mundo mesmo. Pensa quantas opiniões diferentes surgem naturalmente. A diversidade imensurável de temas é apenas uma consequência. “Ah, mas o RAP precisa falar a verdade”, diria o outro. Digamos que sim, mas então o que é a verdade? Se levarmos em consideração que cada um tem uma formação diferente nos mais diversos níveis possíveis, concluímos que cada um enxerga os acontecimentos de maneira diferente (o que leva, por exemplo, tanta gente a ver os PMs como heróis e também tanta gente a vê-los como bandidos). Ou seja, a verdade não passa do ponto de vista de cada um. A minha verdade é diferente da sua, consequentemente, o meu RAP será diferente do seu. No final das contas, RAP não deveria ser sobre falar isso ou aquilo, deveria ser sobre autenticidade, sobre transpor a sua verdade nos versos.

Se você não é apenas fã de um(a) ou outro(a) artista, mas fã de RAP, como eu, você concordará que o ideal seria termos rappers refletindo as questões sociais tanto em suas letras quanto em suas entrevistas; engajados(as) nas ações que enaltecem a cultura de rua; e envolvidos(as) com projetos de melhoria pra quem realmente precisa. Dada a origem do Hip Hop, que eles supostamente deviam saber e, de alguma forma, cultuar, esse seria o cenário ideal. Entretanto, não podemos, de forma alguma, cobrá-los(as) para que sempre ajam dessa maneira. Não há explicação lógica para cobrá-los(as) qualquer coisa além da autenticidade. Afinal, como escrevi, cada um(a) tem sua verdade e é isso que deve aparecer nas letras e ações.

Um(a) rapper deve se juntar não a causas que eu e você achamos importante, mas àquelas que despertem a empatia dele(a). Causas que ele(a) se sinta conectado e que possa realmente contribuir. Ano passado, o carioca Luti Guedes explicou isso da melhor maneira possível durante sua participação no TEDxLaçador. O jovem comentou sobre seu projeto social para ajudar as comunidades ribeirinhas da Ilha de Marajó, no Pará. Depois de ter um certo sucesso em suas ações, Luti foi abordado por um jornalista que perguntou se para um Brasil melhor, precisamos de mais jovens como ele. “Claro que não”, respondeu, “mais jovens como eu tornariam o Marajó um lugar melhor, não o Brasil”.

Antes, não havia espaço algum para o RAP em qualquer meio (não havia espaço para qualquer tipo de ação periférica, na verdade, mas vamos nos ater ao RAP). Quando um ou outro nome fazia sucesso, não só se esperava, mas se cobrava certos discursos e atitudes em todas oportunidades possíveis como resposta às mentiras e distorções que eram transmitidas sem direito de resposta. Não só era uma cobrança compreensível, visto a forma como a sociedade calava a periferia, mas também necessária; o RAP precisava ser o negro que Pelé nunca foi.

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É verdade que os veículos de maior penetração continuam fazendo sua parte pra manter a periferia silenciada. Entretanto, hoje temos alternativas. Inúmeros(as) rappers e projetos periféricos conseguiram resultados significativos com seus próprios esforços, utilizando-se basicamente da Internet. Hoje, se o Zé não manda aquele discurso porreta, a Paula pode mandar e a Roberta pode complementar com um vídeo ainda mais interessante. Hoje, nós fãs, somos mais necessários(as) e fazemos uma maior diferença apoiando aqueles(as) que defendem o que acreditamos do que criticando aqueles(as) que não o fazem. Criticar/questionar continua sendo importante, sim, mas quando é pra construir algo maior “em conjunto”, não apenas pelo rolê de destruir a criação do(a) outro(a).

O momento não é perfeito. Longe disso. Mas, não há dúvidas: estamos em melhor posição do que jamais estivemos. Na pior das hipóteses, temos muito mais alcance. Mais do que nunca, se você fizer seu trampo direitinho na gravação e lançamento da sua arte, você conseguirá ser ouvido. E isso, levando em consideração o até recente histórico, é uma vitória. É só olhar pro lado que você vê a quantidade de rappers se sustentando da música e atraindo multidões (mesmo que muitas vezes apenas no online); imagina a quantidade de temas sendo discutidos por toda essa gente. Antes, o sistema falava que era tudo um bando de favelado violento e sem noção e tava bonito pra sociedade, era o suficiente pra ser esquecido. Hoje, pergunto: como que o sistema faz pra se defender de tantos ataques de lugares tão diferentes e de pessoas tão diferentes falando coisas tão pessoais e únicas?

O RAP até poderia tentar se focar em criar apenas grupos como Racionais e Facção Central, mas não vejo benefício algum nisso. Até porque, convenhamos, mesmo se pudéssemos escolher um time com 11 Messi’s ou 11 Cristiano’s Ronaldo, quem não iria querer ter 1 Buffon, 1 Piqué, 1 Miranda…

**A frase original é normalmente atribuída a Voltaire, mas nunca foi encontrada em qualquer um de seus escritos.

*Guilherme Junkes é criador e editor do blog VAI SER RIMANDO. Escreveu este artigo para a série #Contextos a convite do Bocada Forte.

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