Adaptado, Triste e Solitário – o “Camaleão Só” de Raphael Warlock

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#RapSC #RapLGBTI | Neste último sábado (02), rapper Raphael Warlock lançou seu som “Camaleão Só“. Um olhar rápido pode se desanimar ao olhar para os rápidos 1 minuto e 39 segundos de som com videoclipe, ainda que o nome de Rodrigo Zin se destaque ao lado do próprio Warlock no título. Na capa, um trecho do videoclipe com uma qualidade caseira, também pouco convidativo a uma primeira olhada. A mágica do som está no próprio som, o que tem sido um experiência cada vez mais rara entre rappers em ascensão onde as estratégias de marketing, o networking e outros elementos acessórios tem sido considerados essenciais.

O instrumental triste produzido por Rodrigo Zin já dá o tom: não é o Raphael Warlock revoltando de “Bixa Preta“que dará as caras. Também não é o MC brincalhão de “É Verdade Esse Bilhete” ou o sedutor de “Metflix/ Azul É A Cor Mais Quente“. Quem entra em cena é um MC menos otimista e mais denso. Se Raphael Warlock em seus trabalhos solo nunca perde linhas para cutucar situações de racismo, homofobia e fascismo; em “Camaleão Só” o MC repete versos, usa metáforas poucos objetivas criando uma atmosfera triste. Por que?

Em minha opinião, porque Warlock tentou, de maneira subjetiva, colocar um espelho para que nós possamos nos ver. Em um mundo cada vez mais globalizado e conectado onde nós passamos grande parte do dia interagindo com outras pessoas, nós também nos sentimos cada vez mais sós. Ou seja: a solidão não é causada pela falta de comunicação, mas sim pela qualidade da comunicação que nós criamos entre nós. Sempre seguindo padrões impostos de beleza, de hábitos saudáveis e tentando fingir felicidade, nós passamos o dia todo mentindo, sendo aquilo que não somos, dizendo que estamos bem quando não estamos e cada vez mais com dificuldade de falarmos sobre nós mesmos. Aliás, também com uma dificuldade cada vez maior de encontrarmos ouvidos interessados em escutar o que temos a dizer. Entre uma mistura de fingir ser aquilo que não se é e não ser ouvido, Warlock cria a figura do “Camaleão Só“.

E quais são as queixas do “camaleão só”? “Esses manos não me ouvem/ Essas minas não me ouvem/ Essas monas não me ouvem/ Sozinho, sozinho, sozinho/ Meus amigos não me ouvem/ Meus parentes não me ouvem/ Meus amantes não me ouvem/ Sozinho, sozinho, sozinho“. Mais do que isso, “eu não aguento mais me ouvir sozinho”. 

E qual, então, o desejo do “camaleão só”? “Eu quero espalhar meus camaleões pela ilha/ tipo o Rizo“. O Rizo, que Warlock se refere, é o artista plástico e grafiteiro Rodrigo Rizo, nascido em São Paulo e hoje morador de Florianópolis, que grafitou diversos camaleões pelas paredes de Floripa. Ou seja, na impossibilidade de ser ouvido (o que pressupõe um diálogo), o eu-lírico do som deseja expor e mostrar seus sentimentos, encontrar vazão para o que sente.

É curioso como o MC, que também fez a mixagem e a masterização do som, brinca com essa ideia de “falar sem ser ouvido” na própria construção da música. Enquanto o som começa com Warlock rimando em um flow lento, nos últimos 4 versos passa para um flow mais rápido e agressivo ao mesmo tempo em que o instrumental é aumentado e fica mais alto do que a rima. Na metáfora, o eu-lírico passa todo o início do som se queixando de não ser ouvido e, quando consegue a atenção de um ouvinte, surge um “ruído” na conversa.

Por fim, após algumas audições, a metáfora do “camaleão só” acaba tendo mais de um nível de profundidade. Se, por um lado, representa a nós mesmos em nossas experiências pessoais; por outro: até que nós não somos aqueles de quem o eu-lírico se queixa? Nós temos ouvido nossos colegas, cônjuges, parceiros, amigos, familiares, amantes? Nós temos buscado entender o que eles nos dizem? Em uma terra de “cameleões solitários”, quem dará o primeiro passo para um diálogo?

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