Speedfreaks: A rapidez alterada pela violência

Artigo publicado originalmente em 28 de março de 2010, por DJ Cortecertu

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“Vou sentir muita falta desse cara, o principal responsável pelo Hip-Hop em Niterói. Comecei minha carreira com ele, ele tinha um talento fenomenal, um coração enorme. É uma perda infinita.” (DJ Castro em depoimento ao G1)

Capa do álbum ‘De Volta Ao Jogo’, de Speedfreaks. Foto: Reprodução/Google

Não conheci o cidadão Cláudio Márcio de Souza Santos, homem de 37 anos que foi encontrado morto na madrugada desta sexta (26/3/2010), no bairro de São Lourenço, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio. Apenas tive contato com sua arte, um Rap inovador e explosivo proclamado por seu outro lado, o MC Speedfreaks, é assim que o Hip-Hop o chama. Segundo o site G1, o corpo do rapper estava com marcas de tiros e foi visto em um valão da Rua Capitão Evangelista. A violência urbana segue fazendo vítimas, o Rap brasileiro perde mais um grande artista.

Como muitos amantes do Hip-Hop, fui apresentado ao Rap de Speadfreaks via fone de ouvido, no grave das caixas de som e num show barulhento. Nos anos 1990, sem medo do tempo e da velocidade, seus versos saíram do subterrâneo do Rio de Janeiro e invadiram a cena de São Paulo, tomaram conta do underground brasileiro e revitalizaram a conexão entre o rock, o dub e o drum’n’bass.

Speedfreaks. Foto: Reprodução/Facebook

Velha Escola

“Eu comecei ouvindo rap americano na década de 1980. Mais ou menos em 1986, ouvi o primeiro disco de rap que foi do Run DMC… Ice T e, nos anos 1990, o Naughty By Nature. No Brasil tinha Thaide & Dj Hum, os Racionais MCs. Isso falando de influência artística. Agora, influência das ruas, eu não me baseio muito em arte pra fazer arte. Baseio-me na vida real para fazer arte. Eu observo muito a rua, sou um cara que gosta de andar na rua. O que acontece muitas vezes com o cara que fica famoso é que ele pára de andar na rua e começa a perder o contato com a realidade. Para se inspirar na rua tem que andar na rua”, afirmou o MC numa entrevista ao Waves, em 2008.

Foi nas ruas que Speed seguiu vestindo seus argumentos com a armadura da música, não de uma música qualquer, sua proteção vinha de samples e da ordem ditada pelos sequenciadores. O MC e baixista emplacou sua rima reverberada, estraçalhou os padrões do canto falado. Por ser do Rio, intercalou sua fala sobre o miami bass, o ragga, o dub. Speed bebeu do velho licor venerado pelos pioneiros, ouviu registros chiados em vinil, nas fitas cassete, projetou o som do futuro, num cenário conservador, seu Rap não pediu licença, versou o forró, namorou com a música eletrônica.

Na década de 90, sua mescla rompeu com os acordos musicais do Rap brasileiro, não para criar dissidência ou romper com o som da época. Em beats e graves vocais, Speedfreaks mostrou o quanto a criatividade pode somar, uma ideia perseguida e temida por muitos até hoje, pois quem ousa, precisa ter coragem. O isolamento é o castigo que ronda o perímetro da inovação.

Imperfeição

Speedfreaks. Foto: Reprodução/Facebook

Speedfreaks viveu as contradições do Rap, foi e não foi ao mesmo tempo, seus erros e acertos estão gravados em seus CDs. Na música “O Rap”, Speed diz: “O Rap mudou a minha vida…pra pior e pra melhor”. O MC podia ser visto entre as luzes do palco ou fugindo do labirinto da “arte pela arte”, na velocidade necessária, atirava nos que tinham um horizonte político curto, odiava a embriaguez que justifica a imobilidade da maioria. A música de Speed vive, aponta os sonhos riscados, utiliza scratchs e colagens que completam nossas idéias, é raiva na medida incerta, é esperança que ecoa num sound system.

Somos cérebros curtidores e corpos pensantes bailando no caos social . No beat pesado da vida, admitimos a violência dirigida aos que merecem, as coisas são mesmo assim, não há o que disfarçar. O Hip-Hop sabe, Speed não merecia. Baseadas na experiência adquirida no passado, as rimas dos MCs preveem muitos fatos, nos falam de amor e nos preparam para o pior. Mesmo assim, sempre reclamamos quando o DJ, sem mais nem menos, desliga o som. Queremos continuar a dançar, precisamos celebrar a vida, pois o adeus é um loop torto, não agrada. Ainda não aprendemos a mixar a perda.

Abaixo você confere alguns álbuns lançados por Speedfreaks:

[+] Leia entrevista com autor da biografia sobre Speed
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