O Trap em Perspectiva (com Tony Rich)

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#Trap #Rap #HipHop | Em uma roda de conversa com outros blogueiros de Hip Hop, percebemos que o público tem buscado cada vez mais debates críticos (históricos, conceituais e filosóficos) sobre o movimento Hip Hop e sobre as diversas vertentes do rap, entre elas o trap.

Em um esforço heróico, o blogueiro Braian Gehlen do RND contou, em uma sequência de duas colunas, a história do Trap nos EUA (leia AQUI), suas vertentes e sua chegada no Brasil (leia AQUI) e afirma categoricamente: “Trap é um gênero negro que assimilou o Rap, mas que carrega elementos culturais diferentes dos do Hip-Hop, o que faz com que um público mais conservador muitas vezes despreze o gênero. Já para um público que tem a mente mais aberta, o Trap representa uma linguagem de quebrada mais contemporânea e menos reivindicativa, não deixando de ser uma forma de expressão das periferias“.

Para agregar mais informações ao debate, convidamos o MC Tony Rich (que já assumiu o vulgo Kenny Wxlf) para trocar uma ideia. MC na cena trap do interior de SP conversamos sobre muitas dúvidas comuns que aparecem quando o assunto é trap e nova geração como a relação desse subgênero com o Hip Hop, com o consumo de drogas (como a codeína) e sobre a frase que já provocou tanta discórdia nos grupos da ODB e do Rap Cru – “o trap é o futuro/evolução do rap“.

BF: Tony, me conte sobre você e sobre seus corres.

Tony: Eu sou Tony Rich, 22 anos, cria das favelas de São Gonçalo (RJ) e hoje morador de Barueri (SP). Sinceramente eu não entrei no trap conhecendo sua origem – foi um conjunto de coisas que levaram a outras. Eu sempre respeitei o boombap mais antigo, mas onde eu morava o que chegava mim era o funk. Não tinha Youtube ou serviço de streamming – só uma rádio pirata da área. Então eu achava que rap era Menor do Chapa, MC Mascote, MC Bôbô – os caras que falavam a realidade das favelas – até o MR Catra antigamente (acredite ou não). O tempo foi passando e chegaram o mp3, a internet, o gatonet pra gente ter acesso a um Multishow, por exemplo.

Na época era 2006 eu vi algum clipe do Chris Brown e um feat de um cara que eu ia gostar muito um ano depois (o Lil Wayne). A cada lançamento do Lil Wayne a gente via mudanças – tinha boombap, trap e até rock no álbum “Rebirth”  que mudou minha vida em 2010. Em 2010 eu já queria ser rapper – eu nem lembro do meu vulgo mas lembro que baixei algum programa, comprei um microfone de MSN (aquele fino e longo) e queria gravar inspirado na época pelo Bonde da Stronda que também tinha gravações caseiras da mesma maneira (eu nunca quis ser Stronda: só admirava a determinação de gravar em casa), baixei o tal do Autotune que o público fala tão mal mas não tem noção de como é antigo e Céline Dion é a pioneira (risos). Depois de um tempo eu desisti e voltava a tentar porque o rap é isso. Eu até consegui um pouco de fama e patrocínio em um estilo diferente que eu fazia e era confortável mas eu não queria mais aquilo.

Em 2014 eu já tinha 18, um emprego e conheci o Young Thug e o tal do trap entrou na minha cabeça de vez. Young Thug tinha um estilo melódico que me lembrava o Lil Wayne mas os beats trap eram algo que tinha me pego e eu quis fazer aquilo. Eu até tentei nos anos de 2014 e 2015, mas só no ano de 2016 consegui lançar uma mixtape que eu achei boa (hoje acho ruim – ela foi totalmente tirada do ar). Em 2016 o trap já tinha um certo público nacional, muitos conheciam o Valente, Ber, Cachorro Magro o Shawlin e as festas de trap em SP começaram a crescer. Tinha a “Solta o Trap”Tipsy”  e logo depois a Recayd veio. Eu não posso confirmar que começaram em 2016, mas foi quando eu conheci. Gostava bastante desses roles, ir e ficar louco, curtir um trap e numa dessas eu conheci o que eu imaginei que seria o futuro do trap: Raffa Moreira, Blackout e Dalua. A atração principal naquele dia nem me chamou atenção por que esses caras roubaram a cena – foi ai que eu disse “esses manos fazem o bagulho de verdade, eu também quero fazer o bagulho de verdade”. Foi ai que eu apostei em mim no trap, no começo de 2017. Lancei meu EP chamado “Cego em Toronto” inspirado nos quadrinhos de Scott Pillgrim – ainda está disponível no Spotify e rendeu meus primeiros dólares com meu trabalho. Na época eu usava o vulgo Kenny Wxlf.

BF: Quais são as diferenças técnicas de beats trap para outros tipos de beat?

Tony: Não sendo beatmaker não sei bem como responder, mas vejo que a bateria do trap é bem diferente. Sempre teve a pegada mais eletrônica, mas isso é a maioria já que hoje em dia a gente tem beats diferentes tipo o “plug” (que foi apelidado assim no Brasil) tem o BPM mais acelerado e as melodias mais felizes, o que particularmente me trás uma nostalgia de infância. Artistas famosos como Lil Uzi Vert usam esse tipo de beat. Também tivemos o cloudtrap ou emotrap que traziam samples do emocore e uma mistura com beats trap. Hoje, na minha opinião, quem faz isso muito bem é o Lil Aaron, mas quem sempre vai ser lembrado por ser único nisso era o Lil Peep. Alguns artistas brasileiros como o Nectar Gang tem uns beats que não são tão acelerados, mas continuam sendo trap. E como no trap a gente faz o que quer, isso permite por a mensagem que eles colocariam no boombap em cima do trap.

BF: Trap se define por ser um tipo de batida ou uma cultura dentro do rap?

Tony: Hoje em dia é uma cultura. Por mais que os brasileiros não aceitem o trap, hoje ele está envolvido na moda (a Gucci sempre foi famosa, mas imagina quanta gente conheceu a marca depois de ouvir “Gucci Gang“), temos o trap em trilhas sonoras de filmes populares (como “Velozes e Furiosos”, “Deadpool”, entre outros) e o incrível Donald Glover trouxe o trap de uma forma bem direta na série Atlanta. Então esse crescimento do trap hoje tá em tudo, inclusive em cada vez mais parcerias com artistas pop como Katy PerryNoah Cyrus, Lana del Rey Charlie XCX.

BF: Na sua visão, a galera do trap se enxerga dentro ou fora do rap? E do movimento Hip Hop?

TonyEu posso falar por mim e por alguns conhecidos que tudo que a gente queria era união. Mas o trap tem sido tão detonado nos últimos anos no Brasil que a maioria começou a tomar uma atitude tipo “Não precisamos de vocês”. Isso foi a pouco tempo. Hoje vemos artistas crescendo e o trap se unindo com o boom bap, mas acho que ainda há uma longa caminhada até tudo se acertar.

BF: Na sua opinião, porque a galera do rap se afasta do trap?

Tony: Como o BK já disse “Tudo que é novo sempre vai assustar”. O público do rap não é acostumado nem com o rap feminino e o rap LGBT. Hoje em dia tem gente questionando até o porque de “pretos no topo”, dizendo que o rap não tem cor. Isso vem do conservadorismo do país, na minha opinião.

BF: Hoje muita gente ataca o trap por promover o consumo de drogas (como a codeína, a maconha, a cocaína) e a busca desenfreada por dinheiro. Como você enxerga essa questão?

TonyAs drogas sempre foram usadas por muitos rappers. A codeína continuaria sendo usada com ou sem o trap. Não acho que a música tenha culpa. O rapper fala sobre o que ele vive – muitas vezes que as drogas estão acabando com ele. O público não pode usar o artista como exemplo. As drogas levaram o [LilPeep, levaram o Fredo Santana, entre outros, mas temos rappers que estão cansados disso como o Lil Xan (que tem uma campanha contra o Xanax), Juicr World (que fez uma track chamada “Legends” onde diz que os rappers não estão conseguindo nem passar dos 21 anos). Não acredito que seja caretice, mas Xanax está matando pessoas e a codeína também faz mal – se forem usar, é melhor usar com responsabilidade. O público tem que se manter atento e não usar o artista como exemplo seja na questão das drogas ou roubar, matar – até porque em muitas das vezes são mentiras.

Sobre a questão do dinheiro eu vejo como fim da hipocrisia. Porque quem não quer sair do aluguel? Quem não quer ver a mãe aposentada e dar o melhor para ela? A gente quer jóias, quer curtir um rolê mas, principalmente, conta paga e visa resolvida.

BF: “O trap é o futuro do rap”. Você concorda com essa afirmação? De onde vem isso?

TonyEu acho que o trap não é o futuro em si. E sim, o atual momento é do rap – é o que comanda mundialmente, tá ligado? Hoje o funk é visto como trap brasileiro porque no Brasil ainda é o conservadorismo que manda. Mas atualmente o trap já tem sua grandeza. Na minha opinião – e o futuro só Deus sabe – vai saber que tipo de beat, estilo, roupa vai comanda no futuro. Mas ainda acho que o trap vai durar um tempo.

 

Confira “Boa Sorte e Abraço“, o último lançamento de Tony Rich com participação de Zeef:

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