Lulu Monamour: ‘Brasil, país onde mais se mata transgêneros’

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A rapper MADMOISELLE LULU MONAMOUR está de volta com o videoclipe “Autodefesa – parte II” , faixa extraída do CD “Futuro em Rima”, trabalho lançado no final do ano passado. Com teor político, mas sem perder a descontração, Monamour – que se intitula a primeira rapper gay do Brasil –  trocou uma ideia com o BF. Orgulho, amor e luta contra o preconceito estão em cada track do novo álbum da rapper, temas que também são discutidos nesta entrevista exclusiva. Boa leitura.

Bocada Forte: Mais uma vez você apresenta um trabalho político e que questiona a heteronormatividade. Acha que não é possível virar as costas para essa realidade a ponto de fazer um trabalho mais ameno?
Lulu Monamour: A busca pelos nossos direitos, igualdade e respeito continua a mesma, está nas minhas letras. Sempre será abordada, talvez de um jeito mais pesado futuramente ou de uma forma amena, que seja. Só não podemos tapar os olhos e nos calar. A realidade é essa. O Brasil ainda é o pais onde mais se mata transgenêros, gays. Os números estão aí. Com a minha música, nesse mesmo tema, consigo tirar um pouco da minha raiva sabendo sobre essas estatísticas. Não consigo dormir sabendo que morremos apenas por termos amor próprio.

Bocada Forte: Existe alguma cobrança para que você seja mais fashion e pop?
Lulu Monamour: Não, nunca. Antes de começar a fazer meu som, eu cursei design de moda na faculdade. Eu adoro brincar com a moda. Sabemos que música e moda sempre andaram juntas, mesmo no rap. Faz parte do artista, da sua identidade nos palcos.

Bocada Forte: Acha que a ala mais consciente e politizada do hip hop – que sempre aborda os processos de exclusão – precisa debater de forma mais séria a transfobia? Tem dialogado com outros artistas, o que eles dizem?
Lulu Monamour: Outros artistas e amigos conseguem enxergar meu trabalho como único. Eles sabem quem abriu as portas. Muitos gays que cantam hoje e alcançaram algum estrelato seguem na boa seu trampo. Só que eu os inspirei, mas, ao mesmo tempo, fico triste porque eles devem abordar sempre o preconceito e, sobre os manos do rap que conheci, os que demonstraram apoio são os que propagam o respeito, a humildade. Mas todos nesse ponto concordam que é um tema que ainda gera muito preconceito para ser abordado…até hoje.

Bocada Forte: Pra você, o que engloba o conceito de autodefesa, tema de seu videoclipe?
Lulu Monamour: Matar pelo respeito, sangrar por igualdade, liberdade e revolução.

Bocada Forte: Acha que as religiões cristãs colaboram com o desejo social de eliminação da existência trans?
Lulu Monamour: Deus sempre será maior que qualquer religião. E eu sei que a nossa luz dissipa as trevas. Todas elas (risos).

Bocada Forte: A bancada evangélica e a direita ganham mais força no Congresso, uma ameça real aos direitos dos homossexuais. Consegue ver alguma mudança neste cenário?
Lulu Monamour: Só consigo enxergar a nossa mudança de status, de felicidade para alegria e vice-versa. Sem tempo pra essa pauta. Estamos ocupados demais nos amando.

Bocada Forte: Você tem alguma religiosidade?
Lulu Monamour: Meus pais são espíritas. Acho que é uma religião maravilhosa, que acolhe e não julga, que mostra apoio e fortalece sua moral, seu bem-estar, lhe aceita, não julga. Eu não tenho religião, mas desde pequeno recebi muito amor e apoio por ser assim do meu jeito. Vim de um lar de muito amor e carinho.

Bocada Forte: Como é relação com sua família? Apoia seu rap, suas escolhas?
Lulu Monamour: No começo achavam errado escrever letras sobre agir com o ódio como contra-ataque. Minha mãe é formada em música pela Universidade Federal de Goiás, sempre me levou para aulas de música orgão e piano, componho nesses intrumentos também. A música sempre esteve presente, mas eles jamais poderiam pensar que eu faria rap. O rap sempre esteve presente. Aos 16, já curtia Lil Kim, Missy Elliott, Da Bratt, Remy Ma , Eve, essas artistas me inspiraram. Depois que comecei a compor, achei da hora, e continuo escrever até hoje.

Bocada Forte: Quando decidiu que seria MC? Houve alguém que dissesse que era melhor desistir? Também fale sobre seus maiores apoiadores.
Lulu Monamour: Sim, muita gente falava: rap não da isso, gera isso. Muito “neguin” que não deu valor…depois me aplaudiu. Meus maiores apoiadores sempre vão ser da galera que escuta o som, baixa as músicas vai aos shows. O trampo sempre foi pra essa galera que tem na vida muito amor por si e respeito pelo semelhante.

Bocada Forte: O que mudou do seu primeiro trabalho até este mais recente CD?
Lulu Monamour: Essa jornada deixa a gente mais firme pra aprender a tirar um tempo pra compor. Nesse trabalho, fica o memorando de superação, de olhar pra frente, de enxergar só melhora e aprendizado. Esse é o nome do CD também.

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Bocada Forte: Quanto tempo durou para fazer este CD?
Lulu Monamour: Já tinha muito material pronto desde de 2013 . Mas eu só fui escolher as músicas que iam entrar e as que iam ficar de fora durante quase um ano, porquê tinha muito material. Assim que separei as faixas que fariam partes do CD, o processo de gravação rolou em dois meses. Foi sussa, já estava bem preparada com as letras e firmão pra gravar.

Bocada Forte: O que mais lhe inspira na hora de escrever, o amor ou o ódio que essa sociedade gera?
Lulu Monamour: O amor, sempre. Esse sentimento coloca um sorrisso na nossa cara, meu (risos).

Bocada Forte: Fale sobre as participações do seu disco.
Lulu Monamour: Nossa! É a melhor parte do álbum. Vamos lá. Vou começar pelo CL A Posse (antigo CL Aparecida), os caras são lendas vivas do estado, pioneros do rap tipo comando (risos). Tive a honra de conhecê-los em um evento junto com o Conexão CN, grupo de rap de Caldas Novas formado por Thiago Graffiti, Mike Luv e Rodriguim, que também estão no CD. Essa galera já comandava a área de cada um e tive a honra de convidá-los pra fazermos o material. Com o CL na letra, o Jotta R e o Dentim, fizemos a música “Da mesma semente”. A gente pegou a ideia de cantar sobre o passado, o presente e o futuro do rap. Já com o Conexão CN, na musica “Sem você”, o tema rolou sobre uma paixão que foi embora e que a gente sente falta de estar do lado, saca? Todos os temas foram escolhidos por mim.

Com a Tati e a Pietra, que são daqui de Goiânia, as minas já estavam na ativa no rap e muito conhecidas da cena. Eu queria uma música bem feminina pro CD, tipo o rap Rosa do Som e, na música “A noite”, fica claro o poder feminino. O Manu Gilmar já era um querido amigo. O cara é de Sampa, o flow dele é único, e ele também faz um rap gospel muito bom, mas também é mestre no secular. Na faixa “Mau ou bom”, queríamos uma letra mais polêmica, o tema escolhido foi religiões.

Na musica “Calabouso”, a vocalista Salma Jo, da banda goiana Carne Doce, canta o refrão que fala sobre vícios e superações. A Salma já é uma lenda viva no estilo rock+mpb no Brasil todo. Basta ouvir o som da banda e suas composições, é muito inspirador.

“Polícia”, com MC Snub, é uma das minhas favoritas do álbum. A letra é de superação. O som fala de um namorado ou uma relação que você se machuca, mas se fortalece. O meu amigo Snub foi um dos primeiros rappers que eu conheci que trouxe seu amor pelas rimas. Eu recomendo pesquisar sobre o som dele. Esse neguin vai longe .

Manu Lençol e Ibope, rappers de goiânia, fecham o time de talentos. Na track “Os comédia perde o ar”, deixamos claro a presença nas ruas e nas calçadas que pisamos, o respeito que damos e também temos com essa galera do mal (risos).

Bocada Forte: Consegue sobreviver do rap? Como estão seus projetos?
Lulu Monamour: Sim, o rap é minha zona de conforto. Temos um curta-metragem agora pra março e vamos correr com o material pelo Brasil. Mas não quero apressar nada, quero que as músicas fiquem conhecidas, que sejam escutadas. Por isso fiz o lançamento gratuito e online nas redes sociais, pra chegar até essas pessoas.

Bocada Forte: Já pensou em escrever um livro sobre a sua vida, o rap e luta contra a transfobia?
Lulu Monamour: Não tenho interesse. Nesse momento meu livro é esse CD. Nele está representado tudo o que eu estou achando de um modo geral.

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