Lucas Santos: “Não entre no rap, Não faça essa besteira. É fácil entrar no rap, difícil é permanecer”.

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#Rap #RapBA #OrgulhoLGBT | De Salvador, Lucas Santos lidera o blog de Hip Hop Vandalize, é colaborador do Bocada Forte, beatmaker (onde assume o vulgo Thisgraci Beats) e produz eventos culturais em sua cidade. Com 22 anos, Lucas é virginiano e hoje se assume trans para toda sua equipe.

Sempre cheio de ideias para trocar, planos e projetos, se quem olha de fora enxerga um mano determinado, inabalável, destemido e organizado; quem olha por dentro logo enxerga um coração enorme e uma preocupação de pai com aqueles com quem se preocupa.

Tendo entrado recentemente para a equipe do BF, conversamos com Lucas sobre seus corres na música e na vida pessoal, suas visões políticas enquanto trans e negro, sua luta para abandonar o cigarro e muito mais. Confira:

Bocada Forte:  Lucas, hoje você é beatmaker, criador de peças de divulgação e lidera o portal de hip Hop Vandalize, sendo já uma das referências aí em Salvador, e também colaborador aqui no Bocada. Poderia nos contar sobre sua trajetória no rap até o presente momento?

Lucas: Minha trajetória não é tão longa. Farão 5 anos esse ano agora. Não é uma trajetória tão longa, mas é de muito aprendizado e de resistência por inúmeras dificuldades que eu encontrei no caminho em relação a minha transformação, de ser novo na pista e ninguém acreditar… Aqui em Salvador, como em todo lugar, tem essa coisa de panelinha. Mas na panelinha daqui, pessoas que tem 6 anos de caminhada só andam com as mais velhas, se você chegou agora fica voando. Então a caminhada foi árdua pra caralho, mas agora estou bem. Sou agora colaborador do Bocada Forte e está sendo uma experiência incrível.

BF: Quando trabalhávamos no Vandalize, o que sempre me chamou atenção além de sua criatividade, é o seu foco e determinação. Lembro de situações onde você vivia alguns problemas pessoais e mesmo assim não perdia o cuidado com o trabalho. De onde vem essa determinação toda?

Lucas: Foi difícil e ainda é difícil, mas hoje estou feliz com tudo que construí e com o espaço que meu trabalho ganhou. Foi difícil a aceitação, alguém apostar em mim, a oportunidade de mostrar o meu trabalho e é daí que vem o foco. No começo as pessoas reconheciam que eu era bom, mas não queriam me abrir oportunidades. Hoje eu vi que aquele ditado é real: “eu quero te ver bem, mas não melhor que eu”. E entre o começo e a minha caminhada surgiram problemas com família, problemas pessoais, doenças comigo e é daí de onde tiro a força e o foco. Se não fizer, quem fará por mim?  Se eu não fizer, aquele menor, que depende do conteúdo de Hip Hop que eu trago, não será atingido.

A minha determinação vem do que o meu trabalho causa nas pessoas, de ser reconhecido. Ouvir pessoas falando sobre o meu trabalho é o que me dá determinação. Não é bagulho de reconhecimento, é bagulho de tocar um menor, tocar um artista que eu admiro e ele dizer “eu gosto do seu trampo”.

BF: Hoje toda sua equipe de trabalho sabe que você é trans, na medida em que você já se posiciona sobre isso desde o primeiro momento. E agora criou um perfil no Facebook com seu nome real: Lucas. Como foi esse processo de se assumir trans no rap?

Lucas: O processo está sendo difícil. Mesmo com a criação do perfil com meu nome real, mesmo eu me posicionando pra minha equipe (que aceita de boa), ainda é foda. Pras pessoas causa uma estranheza, mesmo dentro do rap. O rap é Ritmo & Poesia, e é o elemento contrário ao preconceito, mas o rap tem preconceito e essa fita ainda é foda.

Ontem teve um evento aqui e foi massa a galera me chamando pelo nome real, me chamando de Lucas no mic. Fui com um irmão meu, de 16 anos, que ainda não se acostumou ainda mas, quando me chamavam errado, ele consertava [as pessoas]. Às vezes é difícil pra gente, nessa posição de trans, ser chamado pelo nome que não bate. Mas, para mim, que sei que o rap é um meio totalmente preconceituoso, ser chamado pelo nome errado e logo a pessoa pedir desculpas e me chamar pelo nome certo é um bagulho forte. Eu sinto uma parada verdadeira quando isso acontece, um sentimento real de respeito.

A gente existe, a gente tá aqui, mas a gente não é visto. Não estamos na mídia. “Quem é visto, é lembrado”, então é foda. Precisamos ser vistos e precisamos ocupar nosso lugar.

BF:  Hoje a gente convive com um movimento LGBT que é representado nas mídias apenas através de homens gays brancos e masculinos. Para você, enquanto homem trans é negro, quais devem ser as principais pautas que devemos promover em nosso movimento?

Lucas: A pauta de ser visto.  A gente existe, a gente tá aqui, mas a gente não é visto. Não estamos na mídia. “Quem é visto, é lembrado”, então é foda. Precisamos ser vistos e precisamos ocupar nosso lugar. Já é difícil pro gay branco masculino ser visto, e para nós é três vezes mais difícil por ser preto, por não ser tão masculino…

Nós temos que promover isso: que existimos, estamos aqui, somos talentosos, fazemos bem feito também e que ser LGBT é ser diverso. Precisamos abranger todos, não só o gay branco masculino. É preciso ter espaço pra afeminados, trans negros e se não nos derem espaço, vamos tomar de assalto como Hiran. Ele é um homem gay, negro, baiano e é foda, mas ele tomou de assalto.

BF: A alguns meses atrás estávamos falando no whatsapp sobre rappers (e músicos no geral) LGBTs como a Glória Groove é a Pabllo Vittar. Hoje, para você, quais artistas LGBTs não saem do seu fone de ouvido no dia a dia?

Lucas: Glória Groove e Pabllo é de praxe no meu fone, mas tenho tocado muito mais Hiran e Raphael Warlock.

BF: De dois anos para cá o rap produzido no Nordeste ganhou uma rápida visibilidade nas outras regiões brasileiras por conta dos trabalho de Baco e Chinaski. Ainda assim, muitos artistas renomados aí na cena, como o Vandal, são desconhecidos no Sul e no Sudeste. Na sua visão, porque isso acontece? Existe algo que poderia ser feito para mudar isso?

Lucas: Não sei, não tenho resposta para isso porque eu também não sou visto. Vandal era para estar no topo do topo das playlists de geral. O que poderia mudar isso somos nós mesmos, artistas, procurando nos valorizar. No Nordeste existem muitos produtores que não nos valorizam, mas nós também não nos valorizamos: fazemos muitos eventos de graça em troca de divulgação. Nós artistas deveríamos mudar nosso posicionamento, forçando os produtores a mudarem.

Precisamos valorizar o trabalho uns dos outros. Na Bahia rola muita desvalorização dos artistas entre si. O MC desvaloriza o beatmaker, o MC desvaloriza o DJ pra caralho. Não existe uma camaradagem de profissão. O DJ é essencial, dá vida para o som, mas não recebe reconhecimento nem valorização. Então o primeiro passo é nós nos valorizarmos. A gente tem que se aliar, que se estudar, estudar as produções. Muitos MC’s com um pouco de fama sentem que não precisam valorizar o beatmaker. O MC paga pelo beat e o lucro da música, dos views vai só para o MC e se esquece que aquela música é uma obra conjunta. Em entrevistas e eventos o MC até se esquece de citar o nome do beatmaker, do DJ.


BF: Hoje muitas pesquisas mostram que a vulnerabilidade LGBT se expressa também no abuso de drogas, inclusive como maneira de relaxamos das opressões do dia a dia. Essa semana você me contou que conseguiu largar o tabaco. Como você enxerga essa questão? É como foi seu processo de largar o cigarro?

Lucas: Porra, esse processo foi foda. Eu enxergo essa questão igualmente: é uma forma de você relaxar. O processo foi longo e foda. Sempre que eu estava nervoso, eu tentava focar em outra coisa: comer, sair. Esse processo é muito da sua mente. Você precisa dar o basta e pensar tipo: “eu quero muito, mas se eu fizer isso, irá me prejudicar”. No começo vem umas coisas do tipo “vou fumar só um”, mas não é só um, tá ligado? E aí eu ficava um mês, dois meses e depois voltada. Então é um processo com você mesmo: controlar sua mente, se controlar e também ser paciente consigo mesmo. Foi assim que consegui sair disso e hoje estou muito bem sem. É outra fita: respirar melhor, a vida é melhor.

BF: Quais mensagens você gostaria de deixar para as pessoas que acompanham seu trabalho? É quais mensagens você deixa especialmente para pessoas LGBTs que estão se esforçando para entrar no rap nacional?

Lucas: Não só as pessoas LGBT’s, mas qualquer pessoa que queira entrar no rap: não entre, não faça essa besteira (risos). E eu to falando sério. Só entre no rap se você tiver o emocional batendo. Se você não tiver o emocional certo, você vai passar várias merdas e vai querer desistir quase toda hora. Se o emocional já for fodido, não entra. É fácil entrar no rap, difícil é permanecer.

Quero agradecer à galera que acompanha o Vandalize. O retorno está sendo foda em Salvador, Porto Seguro, Ilhéus, de Feira de Santana, de Alagoinhas. Eu agradeço toda a Bahia. Nos sigam nas redes sociais! E também agradecer quem curtiu minha beatape e quem comprou – para quem se identificou, para quem me disse que bota o filho pra dormir com minha beatape. Em agostos virão mais trabalhos de beatmaker e muitas coisas incríveis pelo Vandalize. Cola com noiz que é noiz memo.

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