Entrevista com Consequência

Entrevista feita por Ana Carolina, jornalista e antiga colaboradora do BF. Última edição feita em 22 de agosto de 2019.

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Bocada Forte: Qual o significado do nome de vocês?

Kamau: Significa Guerreiro Silencioso em um dialeto da África Oriental.
Ajamu: O que luta pelo que quer em Iorubá.
Sagat: É um lutador de kickbox da Tailândia, que faz parte de um videogame.

B.F: Como vocês se conheceram?

Kamau: Eu conheço o Ajamu desde os 12 anos, porque a gente andava de skate junto e ele foi o primeiro a conhecer o Sagat.
DJ Ajamu: Eu conheci o Sagat na escola, acho que a gente tinha uns 15 anos na época.
Sagat: Depois de uns cinco anos de amizade com o Ajamu, ele me apresentou o Kamau.

Sagat, Rick e Ajamu – Foto Acervo BF

B.F: Como surgiu a idéia de montar o Conseqüência?

Kamau: A gente tinha várias ideias parecidas, só que eu nunca tinha cantado, o Sagat tinha um grupo antes e o Ajamu já era DJ desde os 14 anos. Quando eu tinha quinze anos eu escrevi uma letra pra cantar no festival de talentos da escola. Pedi pro Ajamu gravar um instrumental com alguns scratchs pra eu poder cantar no festival. Achei da hora, e ele gostou da letra, mas nunca mais fizemos nada parecido. O Kleber, irmão do Ajamu, sempre nos disse pra montarmos um grupo porque tínhamos várias ideias boas e um bom gosto musical, mas como eu nunca tinha cantado nada fora a letra do festival a gente não dava muita atenção.  Até que um outro cara, o Cobra, teve a ideia de montar um  grupo com o Ajamu e o Sagat. Eles enrolaram tanto e enquanto eles não se acertavam eu fiquei pensando porque não havia pensado nisso antes. A gente já andava junto direto e o outro cara sumiu por um tempo. Aí eu comecei a botar essa ideia em pauta e eles acharam bom. Então, falamos “vamos fazer”, “vamos fazer” e todo mundo concordava, mas não fazia nada, até que um dia, estávamos eu e o Ajamu na casa dele e ele pegou um instrumentalzinho e o nome do grupo surgiu nesse dia. Aí depois, mostramos pro Sagat e demos o ponta pé inicial para começar a fazer as coisas, isso foi no final de 96, mas começamos a pegar mais sério no início de 97 e estamos aí até hoje com a mesma formação.

B.F.: De que maneira começou o envolvimento de vocês com o Hip Hop?

Kamau: O meu envolvimento foi através do Ajamu. Antes eu ouvia bem pouca coisa assim, não tinha muito exemplo em casa, estudei em colégio particular e meus amigos também não ouviam esse tipo de som. Na época em que eu conheci o Ajamu, o irmão dele tinha o grupo e aí eu comecei a ouvir bastante coisa na casa dele e então fui me envolvendo mais.
DJ Ajamu: Meu irmão é DJ, então desde pequeno eu ouvia música negra com ele. Na época do break eu o acompanhava nas festas e dançava também e aí eu fui me interessando pelos toca-discos e vi que tinha talento e comecei a me aperfeiçoar.
Sagat: Eu comecei a ouvir rap de maneira indireta. No final dos anos 80, quando a dance music estava fervendo, eu passei a prestar atenção nos caras que rimavam, mas depois, aquele pedacinho de rima já não era mais suficiente e então, comecei a ouvir rap. Em 92, eu formei meu primeiro grupo, o NR e a partir daí, Hip Hop passou a fazer parte da minha vida.

B.F.: Na opinião de vocês, qual a maior dificuldade que um grupo de rap enfrenta no Brasil?

Kamau: Eu acho que a dificuldade depende do empenho do grupo, porque pra alguns a dificuldade é gravar, produzir, mas acredito que a maior delas seja divulgar o trabalho, por não existir muitas rádios e pelas rádios comunitárias estarem perdendo espaço com a fiscalização. Um grupo quando começa, mesmo que tenha um trabalho na mão, tem uma dificuldade muito grande em gravar, em conseguir um espaço para fazer show e tudo isso acontece por não se ter divulgação. Lá fora, existem muitos programas independentes, que têm força no rap underground, como o Wake Up Show, que só toca música nesse estilo.
Pro Conseqüência, a maior dificuldade agora é conseguir um tempo para gravar, porque eu faço faculdade no interior, o Sagat trabalha e faz faculdade e por esses motivos, nós não estamos conseguindo achar um estúdio que se adapte às nossas condições.

Kamau – Foto Acervo BF

B.F.: Vocês fazem parte da 4P, que pelo o que eu sei, significa Poder Para o Povo Preto. O que vocês acham das pessoas que dizem que isso é uma forma de discriminação contra o branco?

DJ Ajamu: 4P significa Poder Para o Povo Preto, Poder Para o Povo Periférico.
Eu acho que isso não é discriminação. Acredito que os pretos aqui no Brasil estão precisando é ter muito mais união, porque essa desunião atual, está fazendo com que não tenhamos força nenhuma. Só queremos a união do nosso povo e a conquista da auto-estima.
Kamau: Esse é um espaço de resistência que a gente tenta criar e isso desperta um medo que as pessoas têm meio escondido. Aqui em São Paulo, nós temos diversas comunidades diferentes, a judaica, a japonesa na Liberdade, a italiana e não existe uma comunidade organizada dos negros com tanta força. Existe o Hospital Nipo-Brasileiro, Beneficência Portuguesa, Sírio Libanês, mas as organizações que levam o nome Afro são algumas coisas de danças, ou pequenas organizações de resistência e discussão, mas que não têm a mesma força política e monetária desses outros grupos.

B.F.: Falem um pouco sobre o trabalho de vocês fora do Conseqüência?

DJ Ajamu: Faço parte do projeto Banca Forte, que é um grupo de DJs, como se fossemos uma banda. São cinco DJs, cada um com seu toca-discos e tirando o máximo dele e tenho algumas participações com uns grupos. Um deles é o Estratégia que faz parte do nosso Esquadrão.. é o grupo que meu outro irmão, o Jeff, faz parte juntamente com o Akil e o Pablo. Os dois últimos vão ter participações no nosso álbum. Vocês vão ouvir falar muito deles.
Sagat: Estou fazendo umas rimas com uma rapaziada, mas no momento o que quero é terminar minha faculdade e depois cair de cabeça no esquema de  produções.
Kamau: Eu sou da Academia Brasileira de Rimas, que é um grupo com alguns MCs que têm facilidade em fazer freestyle e buscam escrever as suas de um novo modo. Tem a banca do Conseqüência, que são os grupos com os quais mantemos afinidades e ainda um projeto paralelo que chama Vingadores, que é uma coisa mais underground. Faço também algumas participações com o Thaíde e DJ Hum, SP Funk , Núcleo, mas por eu ser um MC novo, estou até me surpreendendo com os convites.

DJ Ajamu – Foto Acervo BF

B.F.: O que vocês acham da participação da mulher no Hip Hop?}

DJ Ajamu: O Hip Hop de verdade não faz distinção e eu acho que deveriam ter mais mulheres. Sabemos que algumas têm vontade, mas ficam meio acanhadas, por causa de alguns caras que gostam de falar mal. Mas elas têm mesmo é que acreditar no talento e progredir cantando, tocando, dançando ou desenhando.
Kamau: Hip Hop tem 4 elementos e a mulher pode se destacar em qualquer um deles. Converso com algumas meninas sobre isso e vejo que elas não têm apoio pra começar, mas existem algumas que querem ser reconhecidas apenas por serem mulheres dentro do movimento e não por mostrarem um bom trabalho.
Sagat: Eu acho que a mulher teria bem mais espaço no Hip Hop (e no mundo) se esse feminismo doentio deixasse de ser a razão de suas vidas

B.F.: Quais foram as influências musicais de vocês?

Kamau: Antes eu ouvia mais rap nacional por causa das ideias. Mas depois eu perdi a esperança por algum tempo, mas não deixei de gostar de Racionais, DMN e Posse Mente Zulu principalmente. Musicalmente minha influêcia maior sempre foi De La Soul, A Tribe Called Quest , Pharcyde e Gangstarr.
DJ Ajamu: No começo foi o Public Enemy, por causa das letras. Musicalmente eu gosto de muita coisa: De La Soul, A Tribe Called Quest, DMX, Jay-Z, mas principalmente eu gosto de Gangstarr, que foi e ainda é minha maior influência.
Sagat: Minha maior influência, com certeza, é Mobb Deep.

B.F.: Ajamu, o fato de você ser irmão do KL Jay, ajuda alguma coisa no trabalho de vocês?

DJ Ajamu: O incentivo que ele me dá é o que mais me ajuda, mas as pessoas não entendem que ele é uma pessoa e que eu sou outra e por isso, as vezes me cobram ser igual a ele. Muitos acham que eu tenho que ser bom, por que ele é bom e não por mim mesmo, mas as pessoas que sabem realmente que o talento só depende de mim, não vêm com esse papo.
Kamau: Existe uma coisa que acho muito chata, que é o fato de em certos momentos sermos conhecidos como “o grupo do irmão do KL Jay” e não pelo nosso trabalho.

B.F.: Quais são as expectativas do Conseqüência para o ano de 2001?

DJ Ajamu: A expectativa é lançar nosso álbum e que ele seja bem aceito e  entendido, podendo ser uma referência para alguém.
Kamau: Eu acho que o ano que vem vai ser bom pra gente, por que a nossa cabeça está muito melhor. E espero que tenham vários grupos com idéias inovadoras pra mudar a cara ou pelo menos dar uma nova alternativa pro rap no Brasil.

B.F.: Deixem uma mensagem para quem está começando a lutar por um espaço dentro do Hip Hop?

Sagat: Quem realmente acredita no que faz, consegue alcançar qualquer objetivo. Pode demorar, mas todo esforço tem sua recompensa e não tentem imitar ninguém, sejam originais. PAZ!
Kamau: Não esqueçam que o Hip Hop tem a arte como principal característica dos seus elementos. Não é só protesto, nem só diversão nem só boa intenção. O talento conta muito e a arte deve prevalecer sempre.

[+] LEIA RESENHA DO EP ‘PRÓLOGO’

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