A representação do preto no Cinema

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Nos anos oitenta, ainda criança, não tinha grana pra ir no cinema, a gente se contentava com “Sessão da Tarde”, “Super Cine” e “Corujão”. Minha mãe, Dona Teresa, era doméstica e me levava pro trabalho todo santo dia. Pra que não ficasse atrapalhando ela, me colocava sentado no sofá vendo televisão.

Cena do filme ‘Rocky, o Lutador’. Foto: Reprodução/Google

Não sou Preto como meu pai. Minha mãe é branca, nasci sarará. Durante muitos anos foi difícil me encaixar. Na família do meu pai era chamado de “sarará sem bandeira”. Na família da mãe eu era o “café com leite”. Aos domingos, depois do churrasco em família, as brincadeiras eram baseadas nos filmes que víamos na televisão: Rambo, Rocky o lutador, Duro de Matar, Exterminador do Futuro, os caras que lutavam, Bruce Lee, Chuck Norris e o Jean-Claude Van Damme. Estes eram os nossos heróis, mas uma coisa sempre me chamava atenção, nenhum deles tinha a pele escura. Aos pretos cabiam os papeis de vilão. Logo, nas brincadeiras, por algum motivo éramos sempre os bandidos.

Com o tempo fui percebendo que Preto na televisão e no cinema ocupavam sempre papeis secundários: bandidos, garçons, empregadas, prostitutas, motoristas. Quando um preto tinha papel de destaque social, ele era abusivo, alcoólatra, machista. Como se “ser bem sucedido” fosse uma tarefa complicada para uma família preta. E assim foram se criando estereótipos pejorativos que alimentam o racismo até hoje. Uma maneira de destruir a autoestima do povo preto, afinal de contas passamos horas na frente da televisão e quase nada nos representa. Isto vale para comerciais de TV também, onde produtos são feitos para pele clara e cabelo liso.

Personagens dos filmes Blaxploitation norte-americano. Foto: Reprodução/Google
Samuel L. Jackson encarna o personagem Shaft contemporâneo. Foto: Reprodução/Google

Diferente daqui, nos Estados Unidos, nos anos setenta, por conta das lutas por direitos civis, surgiu um movimento chamado Blaxploitation. Um gênero cinematográfico que respondia ao preconceito da época, com filmes que tiravam os pretos dos papeis coadjuvantes serviçais e idealizam a figura do herói. Sidney Poitier foi o precursor, ganhando um Oscar. No humor existia Bill Cosby, Richard Pryor e Eddie Murphy. Na música e nos esportes a lista não tem fim.

No Brasil ainda não temos muitos filmes com esse tipo de temática. Aqui os pretos não são heróis, mas sobreviventes do sistema. (Não vou entrar em programas de humor, onde a imagem do preto é ridicularizada). Aqui, nossa representação está mais ligada aos esportes e a música. Atores pretos seguem com papeis secundários e pejorativos. Talvez o filme “Besouro, Nasce um Herói”, de 2009, que aborda a capoeira e o racismo, mas sobre uma ótica totalmente diferente da realidade das quebradas, becos e vielas dos dias atuais.

O ator Ailton Carmo interpreta o herói negro Besouro Mangangá. Foto: Reprodução/Google

Quando falamos em representatividade, um bom exemplo é a releitura de “Shaft“, estrelada pelo ator Samuel L. Jackson, que estreou semana passada no Netflix. No filme, três gerações de uma família do gueto são policiais, mas este é só o pano de fundo. O que interessa realmente é a representação dos pretos em uma posição de destaque na sociedade. São protagonistas. O mais importante do filme é a simbologia “Black Power”, algo semelhante ao “4P” Poder Para o Povo Preto.

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Todos os anos surgem produções que abordam a favela e o gueto, seus moradores e histórias, mas ainda muito enraizada no crime e na violência, uma realidade cotidiana e um imaginário branco (que se alimenta das nossas mazelas, que insiste em preferir o sangue as rosas). Mas, sinceramente… Podemos enaltecer a nossa etnia e valorizar outros aspectos da juventude periférica, alimentando a autoestima das novas gerações. Uma reflexão necessária e um bom filme a todos.

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