X: ‘Se fôssemos do exército seríamos Comandos, Forças Especiais. Como somos músicos, somos Câmbio Negro!’

Entrevista por Gil, DJ Cortecertu e Noise D. Edição e diagramação: Noise D

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Recentemente o BF relembrou uma entrevista realizada com o lendário MC do grupo Câmbio Negro, X (Éks). Ele sempre foi uma grande referência para o Rap brasileiro, influenciou inúmeros outros MCs e artistas do Hip Hop e é uma voz extremamente respeitada na cultura de rua tupiniquim.

Muitas das letras de X são relembradas ainda hoje como verdadeiros hinos contra a discriminação, o racismo e a violência da polícia contra os negros e menos favorecidos. É como uma marca registrada em sua carreira: a postura contestadora e crítica perante a sociedade que se apresenta.

Dado o atual momento, o BF acha importante que seja atualizada a voz de X, para que ele possa expor suas ideias diante da atualidade da cena Rap nacional e do quadro social e político do Brasil. Por isso, fomos atrás da lenda. Abaixo você confere a entrevista.

Bocada Forte (BF): Você é autor de uma música, das mais importantes na luta e conscientização do Rap contra o racismo nos anos 90: “Sub-raça”. Você consegue perceber frutos das sementes que você plantou em algum Rap atual, mesmo que indiretamente?

X: Olha, vejo que a semente foi plantada e rendeu e rende ainda hoje bons frutos. Talvez não de uma forma tão contundente como fazíamos nos anos 90, mas em algumas letras de hoje ainda existe quem aborde o tema de forma inteligente.

BF: Eu vi você dançar com o Thaide em uma roda em São Paulo. Muitos MCs dos anos 90 foram B.boys, Graffiteiros e até DJs. A relação com a Cultura Hip Hop como um todo era muito próxima. O que você acha dessa desvalorização e distanciamento dos outros elementos por parte do Rap?

X: Acho um grande erro, pois não se pode negar as origens, não valorizar quem pavimentou as estradas. Sei que os temas são inúmeros e todos tem sua relevância, mas falar nas letras ou expor em vídeos e shows todos os elementos ou parte deles, em minha opinião, é primordial. Hip Hop é um todo e não só entretenimento e diversão. É isso também, mas muito mais!

BF: Como você acha que poderíamos ‘tocar’ essa nova geração, que ‘aprendeu’ sobre a cultura Hip Hop no computador ou no celular, de forma muito rasa, e levar até eles essa mensagem? Seria o grande volume de informações disponíveis atualmente na realidade um grande dificultador deste processo? Antigamente a gente escutava um disco de Rap internacional e ia atrás. Lia a ficha técnica, tentava se informar sobre outros artistas que participavam do disco, etc. Hoje em dia o acesso é tão fácil, por meio da Internet, que parece que as pessoas não tem mais o mesmo interesse ou capacidade de concentração pra se aprofundar. O que você acha?

X: A mensagem vem das letras, dos debates, dos coletivos culturais, da eloquência dos MCs em seus shows, de sua postura, história e incentivo. Creio que o fato de enormidade de informação desmotivou muito a curiosidade. Muitos pensam “Ah, tá na mão! Na hora que quiser eu acho”. E é verdade, mas não procuram se informar mais… É exatamente isto. Falta avidez, curiosidade e vontade do saber, de obter o conhecimento.

BF: Sempre achei os rappers e MCs de Brasília mais politizados, você acha que isso se deve a proximidade com o governo federal ou é mais pelo abandono que regiões como a Ceilândia sofreram?

X: As duas coisas. O fato de estarmos geograficamente tão perto e tão distantes, creio que nos deu essa vontade de contestar, cobrar, lutar pela conscientização e politização, saca? É tipo o som do Djavan  “Sabe lá o que é morrer de sede em frente ao mar…” Estar, ao mesmo tempo, tão perto do poder e ser invisível à ele… Somos lembrados só em período eleitoral.

Porque podem ver Jesus na goiabeira e não podemos ver Mamãe Oxum na cachoeira? Porque podem ter revelações e não podemos acreditar nos búzios? Não queremos tolerância e sim respeito!

X. Foto: Reprodução/Google

BF: X, como você vê a ascensão das religiões que tem o discurso baseado na ascensão material/econômica? A gente sabe que muita gente busca a religião para consolo e esperança, mas também sabemos que a manipulação e o fanatismo andam de braços dados… Este fanatismo e essa manipulação tem refletido diretamente no cotidiano do país, social e politicamente. Como você vê tudo isso?

X: Respeito todas as religiões e a não religião saca? Mas vejo um crescimento desordenado e nada cristão. Se prega o louvor aos bens materiais, crescimento financeiro, status e tudo mais. Querem fazer até capoeira gospel (risos), sem saber que quando se abaixa aos pés do berimbau e dos atabaques antes de jogar, louva-se à ancestralidade africana. Acarajé gospel? Ah, para! É comida de santo. Tem até feira erótica gospel agora. Nada contra, pois sabemos que sexo quem tem condições físicas e/ou mental, faz. Mas vejo uma enorme distorção dos valores realmente voltados à fé. Claro que existem pais e mães de santo “marmoteiros”, padres, bispos pedófilos e pastores e pastoras que comem “irmãs e irmãos”, mas não se pode confundir essas pessoas com os verdadeiro(a)s emissários das palavras de amor e caridade. Respeito aos corretos, os outros vão se acertar com o poder superior, de acordo com sua crença.

O ser humano acredita no que quer acreditar, entende? Ou se deixa manipular… Tem um cara que disse, faz tempo, que era do Racionais e tal e muita gente abraçou a ideia. Mostrou uma certidão de óbito falsa, que tenho amigos de gráficas que fariam bem melhor, e mesmo assim acreditaram. Disse que tinha um intestino de plástico e tudo… (risos). Se até o ex-presidente Zé Alencar, que morreu de um câncer, com toda grana que tinha não conseguiu essa tecnologia como só ele teve? Ah, para né? É preciso ter um pouco de discernimento e saber diferenciar quem fala e o que diz de suas ações, de sua história.

Porque podem ver Jesus na goiabeira e não podemos ver Mamãe Oxum na cachoeira? Porque podem ter revelações e não podemos acreditar nos búzios? Não queremos tolerância e sim respeito!

Assista a entrevista de X ao canal ‘Minha Brasília’, realizada em 2014

BF: Em 2001, em entrevista ao Gil (BF) você disse: “Política tem que se discutir, sim, senão a favela vai continuar do mesmo jeito. Um exemplo é a Ceilândia. A 20 anos atrás era só barraco, terra, esgoto a céu aberto. Hoje 95% das casas são de alvenaria, 50% das casas tem telefone, 95% das ruas são asfaltadas”. Na época você estava morando em Minas, você vive na Ceilândia hoje, como está hoje?

X: Resido numa edícula na Ceilândia até hoje. Ceilândia fez este ano 48 anos. Desde a sua fundação, salvo em alguns momentos, sempre residi aqui, no mesmo endereço.

Hoje ainda convivemos com vários problemas, como o crescimento desordenado, muitas vezes até apoiados por questões eleitoreiras, drogas, tráfico, poucas opções de cultura e lazer, apesar de ótimas iniciativas por parte de moradores, coletivos, ONGs e tal. Veja que somos hoje mais de 600 mil habitantes e temos somente um hospital público, em situação precária para atendimento de toda a população local e de cidades do entorno. Não temos um cemitério público. Quem morre em Ceilândia ou é enterrado em Taguatinga ou em Brasília. Ou seja, mal temos o direito de nascer com o devido amparo e não temos o sagrado direito de enterrar os nossos em nosso solo. Difícil, mas continuamos na luta!

O grupo Câmbio Negro, com X no centro. Foto: Tales Marques

BF: O descaso com as periferias do país é realmente crônico, em todo o país. Por vezes temos a impressão de que manter a população da periferia cercada pela miséria e pela violência – que vem da polícia e do crime – é uma estratégia de controle. O povo fica com uma visão de mundo apequenada, circunscrita ao seu cotidiano, a sua família. Mais importante colocar o leite e pão na mesa e voltar pra casa vivo. E, se a gente parar pra pensar, é isso mesmo. Não tem como ser diferente. A pergunta é: como fazer o povo da periferia perceber que é preciso atuar mais politicamente? Que é preciso participar, reivindicar, protestar?

X: É necessário ação. Não basta acordar, fazer sua higiene pessoal e trabalhar para pagar boletos e levar o alimento para os seus. Só com a conscientização da periferia e o conhecimento do poder de seu voto é que podemos mudar realmente a situação. É preciso reivindicar sempre. Protestar, quando necessário, e participar e propor ações para a melhoria. Creio ser o voto a maior arma. Não votar pela regularização de um terreno, material de construção, denunciar empresários que querem se eleger ou aos seus filhos e aliados. E explicar que quando você ouvir a frase mais falada em Brasília: “Sabe com quem você tá falando?” Responda: “Sim, com alguém que pensa que é mais do que é!”

Temos de colocar políticos e aspirantes ao cargos púbicos em seus devidos lugares; o lugar de servidor público e não uma pessoa mais importante que você. O salário deles são pagos por nós. Nós somos os patrões!

Só através da politização poderemos nunca mais eleger um racista, fascista, homofóbico, guetofóbico, intolerante entre outras coisas

BF: Você é um cara com uma história de engajamento político e social, inclusive você de candidatou em 2002 para deputado distrital, como foi essa experiência? Você foi bem votado?

X: Foi uma experiência difícil, mas válida. Não tinha tempo de TV ou rádios. Não tinha Redes Sociais pra divulgar a campanha. Sem estrutura para realizar comícios e tal… Só no boca à boca mesmo. Tive mais de 530 votos e pra mim foi bom, mas obviamente impossível de conseguir ser eleito. Infelizmente sem grana ou se vender seria impossível naquela época.

De umas duas eleições pra cá recebi a oferta de alguns amigos para me candidatar novamente, mas creio não ser o momento ainda. Se for tem que ter estrutura, ir pras cabeças. Hoje o acesso às Redes Sociais facilitou a divulgação, mas ainda existe o velho voto de cabresto. Um Senador, amigo meu, propôs me apoiar na eleição passada, mas eu não quis. Acho que preciso estar melhor preparado, com mais conteúdo, informação e conhecimento pra não ser só mais um e sim um a mais.

X em ação. Foto: Reprodução/Google

BF: O que você pode dizer sobre o público que curtia Rap nos anos 90 e hoje ficou conservador, não liga para a cultura de rua ou acha que a cultura de rua não tem nada a ver com o discurso contra a desigualdade social e luta pelas minorias. Muitos hoje são avessos aos Raps dos discos do X e Câmbio Negro.

X: Cara… (risos) O que dizer… Cada qual com seu James Brown, né? Mas sinto por essas pessoas. Lamento sinceramente, mas pra cada mil que não curtem, tem um verdadeiro que curte e quem é de verdade sabe quem é de mentira!

BF: Muita gente entra na política apenas para tentar carreira, enriquecer. São poucos, mas valorosos, os que pensam como você. Hoje temos uma operação de combate a corrupção, chamada Lava Jato, cometendo os mais absurdos crimes e levando as pessoas a desacreditarem ainda mais da política. Se no passado recente o brasileiro já ‘odiava a política’, o que dirá agora. Como a gente pode virar essa mesa, de forma a combater o pensamento fascista e radical anti-política e fortificar a democracia?

X: Sim, é verdade que a maioria quer fazer carreira política. Mas ao meu ver a política não é carreira e sim vocação e vontade de fazer a diferença. Cara, só através da politização poderemos nunca mais eleger um racista, fascista, homofóbico, guetofóbico, intolerante entre outras coisas. É tipo reclamar do preço do leite, mas votar no dono das vacas, entende?

Assista ao show e gravação do DVD do Câmbio Negro, realizada em 2015

BF: Este ano aconteceu um fato muito triste: a perda de um grande ser humano e também uma perda para o Hip Hop e para você uma perda pessoal, o grande DJ Tydoz. Você tinha algum projeto que ainda seria realizado com ele?

X: Sim, foi realmente uma perda lastimável. Mas, como sou espiritualista (Candomblecista), acredito na reencarnação e nos Espíritos. Sei que estamos aqui de passagem e até o corpo físico que possuímos nos é emprestado. O que morre é a matéria, mas o Espírito vive. Então sei que ele está em num bom lugar. Não tínhamos nenhum projeto futuro, mas a esperança do reencontro permanece…

Se fôssemos militares do exército brasileiro seríamos Comandos, Forças Especiais. Como somos músicos, somos Câmbio Negro!

Câmbio Negro. Foto: Tales Marques

BF: Câmbio Negro, Diário de um feto, Um homem só, Curto e grosso, Círculo Vicioso e tantas participações. Prestes a completar 51 anos, para nós você é uma das vozes mais importantes do Rap brasileiro, como é o reconhecimento da sua importância pela cena atual de Brasília e até nacionalmente?

X: Obrigado pelas palavras e pelo respeito e consideração, amigos. Cara, ainda vejo que se lembram do Câmbio Negro e isso é bom. Ainda somos lembrados e respeitados local e nacionalmente. Estamos de volta aos palcos desde o ano passado (2018) e pretendemos realizar muitas coisas ainda. Basta que surjam oportunidades verdadeiras e não panelinhas, falcatruas, corrupção no recebimento de cachês, etc. Estamos aí para mostrar nosso trabalho e não para nos vendermos. Na banda somos todos homens com mais de 40 anos e temos nossos empregos formais e vivemos ou sobrevivemos deles. Se quer trabalho de homens estamos “Prontos para e em condições D”. Se querem brincadeirinha, procurem crianças!

BF: Além dos shows, existe alguma ideia de o Câmbio Negro gravar algo novo ou voltar a lançar um álbum?

X: Estamos com dois sons novos que já executamos em nossos shows. Um deles é “Ninguém Toma”, que tem um videoclipe no YouTube. O outro é “Se Prepare Pra Morrer”. “Ninguém Toma”, inclusive, é apresentada nos shows conjuntamente, em vídeo no telão e áudio com a banda tocando em sincronia. Utilizamos várias imagens para interação de músicas e vídeo. O nosso público merece ter o melhor e, dentro de nossas limitações, tentamos sempre apresentar um espetáculo de nível.

Quanto à gravar um novo álbum, estamos com muita vontade, gana mesmo. Estou compondo mais um som que se chama “Fogo no Canavial” e não temos os recursos necessários para gravar um álbum, clipes, distribuir e comercializar. É necessário um investimento e por isto precisamos de uma gravadora interessada e compromissada para realização dos projetos.

Meus amigos e parceiros de banda são um time de excelência e conversamos, nos entendemos, discordamos muitas vezes, mas o resultado final é muito bom. Chegamos num estágio que necessitamos de uma empresa que invista no Câmbio Negro e, sem falsa humildade, sabemos o que fazemos e somos bons nisso. Se fôssemos militares do exército brasileiro seríamos Comandos, Forças Especiais. Como somos músicos, somos Câmbio Negro!

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Ouça o álbum “Sub Raça”, lançado em 1993

Ouça “Diário de um Feto”, lançado em 1995

Ouça o álbum “Um Homem Só”, lançado em 2001

Escute o álbum “Curto e Grosso”, de 2005

4 COMENTÁRIOS

  1. Como sempre, a esquerdice infesta como vírus o rap nacional. O entrevistado fala de “guetofobia” se referindo ao atual presidente, mas não faz menção alguma de que este, é casado com uma ex moradora da ceilândia, e que fez visita recentemente, na mesma cidade, à uma criança que recebeu transplante. Ora, neste campo político, qualquer um percebe que o discurso é descolado da realidade. É direito e democrático se posicionar politicamente, mas a mentira e a lorota nunca foi bem vinda na quebrada.

  2. Bem ela é ex do ” verbo não é mais”. Fazer visita para uma criança é louvavel certamente, mas como primeira dama a premissa seria cuidar de centenas de milhares de crianças, mas já é um começo e quanto à mentira ou lorota, se ponha em seu lugar pois tenho credibilidade faz mais de trinta e cinco anos!

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